Música e cultura
Frederico Mendonça de Oliveira
Você pode até não acreditar, mas a cultura no Brasil foi
exterminada sob uma estratégia planejada por um esquema internacional, e isso
foi posto em prática acionando-se um conjunto de fatores trabalhados ardilosa e
criminosamente diante de nossas barbas – usando a canção. A destruição mesmo
começou em 1965, ano fatídico em que entrou no ar a Rede Globo. Não estou difamando
a Globo através do que tenho revelado sobre isso, apenas tenho cumprido o dever
de alertar os alertáveis. A Globo encaminhou com absoluta firmeza o
desmantelamento de nossa cultura desde 1965. Poucos pensam nisso, a maioria
simplesmente ignora e despreza: o entretenimento é o caminho mais curto e fatal
para o fim da identidade do homem. E a Globo impõe isso de forma arrasadora, e
para tanto contribui simplesmente TODA a população brasileira, de forma
inexplicável, como num suicídio coletivo. Digo Globo como diria TV aberta, o
conjunto que ela lidera sem competidores. E, se houver competição, é algo
nivelado sempre por baixo. Podemos dizer que TV que desvirtua é Globo. O resto
imita, vai atrás, dá no mesmo. Mas, para dominar, é fundamental emburrecer, e
isso começa oferecendo ao público o caminho mais fácil, e cada dia mais fácil
ainda. Ninguém resiste ao ópio global, senão uma meia dúzia de apocalípticos...
Enter.
Você está vendo: não se edita mais nada no Brasil. Só livros
contingenciados. Quando a Globo entrou no ar, em 1965, tínhamos em franca
atividade poetas magníficos: Carlos Drummond, João Cabral, Manuel Bandeira, Cassiano
Ricardo, Mário Quintana e Cecília Meireles, que morreu em 1964 mas cuja obra
ainda repercutiu como se ela estivesse viva. De prosadores tínhamos João
Guimarães Rosa, Dalton Trevisan, Campos de Carvalho, Mário Palmério, José
Cândido de Carvalho, Clarice Lispector, entre dezenas de mestres. Que país
tinha tal seleção de homens de Letras? Na música perdêramos Villa Lobos em
1959, um ano depois da estréia da Bossa Nova. E estavam em plena atividade Tom
Jobim, João Gilberto, Eumir Deodato, Luís Eça, Durval Ferreira, Maurício
Einhorn, Dori Caymmi, João Donato, Radamés Gnatalli, tínhamos instrumentistas
acontecendo mundo a fora a dar com pau. Nossa pintura contava ainda com gente
como Portinari, que morreu em 1962 mas cuja obra permaneceu vibrando até onde
se pôde manter; tinha Di Cavalcanti, Djanira, Manabu Mabe, Ismael Nery, Ivan
Serpa, Tomie Otake, Volpi, Guignard, Ligia Clark, Amilcar de Castro, nomes de
uma imansa plêiade admirável de poetas da forma e da luz. E ainda tínhamos um
cinema revelando gente como Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, ganhando
prêmios nos mais importantes festivais de cinema do mundo. E o teatro ia também
muito bem, obrigados. E junto com a Bossa Nova, em 1958, ganhamos a Copa do
Mundo da Suécia. É mole? E isso tudo deu em quê? Hem?? Hem?? Enter.
Deu em Michel Teló, em Lek lek, em BBB, em Bonde do Tigrão,
em É o Tchan, em louro josé, em Faustão, em Luciano Hulk, isso e tantas outras
incontáveis manifestações regressivas, patogênicas ou simplesmente abomináveis
de degenerescência da mente coletiva brasileira. Você pode achar tudo
absolutamente normal, dizer que é isso mesmo a realidade, mas o diabo é que
isso não é nada, é apenas um retrocesso imposto. E quem impõe isso tem um
objetivo claro para si e oculto para nós, que mordemos a isca bestamente. Certo
manual afirma que a maior arma para a ação dos que almejam o domínio sobre a
Humanidade é a camuflagem. Uma célula cancerosa que se assemelhe às células
normais é a pior ameaça ao corpo, simplesmente por não ser detectável. Os
inimigos que estão entre nós são assim: parecem seres comuns e inofensivos, são
aparentemente pacíficos, gentis, têm maneiras contidas... mas nos odeiam e
querem nos submeter a qualquer custo pondo em prática um esquema político
estupidificante e trabalhando ardentemente seu esquema de domínio total. Eles
estão não só envolvidos em tudo: na verdade, ocupam simplesmente a quase
totalidade dos postos chave no Brasil. E assim nossa cultura e nossa arte foram
postergadas “dando lugar” ao que está aí. Conseguiram inclusive criar um
neoboçal que é o padrão da “juventude” atual: tipos assemelhados a espantalhos
são a imagem dominante entre adolescentes. O boné é o paradigma desses
desmiolados. Quem usa boné desativa o cérebro e aciona o “submisso rebelde”,
genial criação do inimigo dominador infiltrado, e esses objetos do sistema
parece que negam qualquer autoridade e/ou hierarquia, posam de desobedientes
sem causa, mas apenas se entregam a uma anarquia oca, inócua. Que tipo de fundo
musical ou arte pode representar, expressar esse “conjunto social”? Rap, música
de oligofrênicos, aquilo que os carros dos “desobedientes” passam tocando em
volume ensurdecedor e que pretendem, como divertimento, disparar alarmes de
outros carros com o deslocamento de ar que os graves produzem. Ou seja: coisa
de mentes tacanhas, deformadas, condição que esses seres consideram sua real
supremacia sobre o conjunto social que “integram”. Eles se acham acima do
resto. Eis aí a grande contribuição do sistema através de quase meio século de
emburrecimento. Essa juventude vai emular que tipo de avanço? Enter.
Tá bom. Que tipo de contribuição um tipo como Luciano Huck
pode dar ao Brasil? Nenhuma, acredito: ele não vive no Brasil senão
geograficamente. O mesmo podemos dizer sobre todos os famosos, essa récua de
iletrados e descerebrados que vivem “acontecendo” em espaços escusos da mídia,
espaços estes que ocupam a quase totalidade das primeiras páginas de
publicações misturando alhos com bugalhos, de forma a fazer parecer que tudo é
ocasional e passageiro, que não existe uma concretude no país, na comunidade,
que não temos real liderança política, estabelecendo a “lei do vazio social”, a
partir da qual o Brasil é apenas um lugar. Isso começou quando a Globo assumiu
o comando das ‘”comunicações”, beneficiada pelo Império – o grupo Marinho tem
vínculo direto com o grupo Time-Life, potência de imprensa com sede no
Rockfeller Center, NY. O difícil é entender como uma emissora de TV ganhou,
desde sua entrada no ar, o poder que ganhou. Estratégia de programação? Claro,
seguramente. Melhor equipamento? Claro, sem dúvida. Melhor cast? Claro, e isso
tem uma razão especial. E isso pede um enter. Enter.
É que a partir da prática já consagrada de telenovelas como O
Direito de Nascer e seus resultados sobre a mente coletiva brasileira, e porque
o teatro iria ter restrições de espaço maiores com a chegada da nova emissora,
a telenovela passou a grande objetivo de horário nobre, tanto pela alienação
que proporcionava em benefício do sossego do poder constituído, então já
militarizado, como pelo incremento comercial que traria retorno pesado,
enchendo as burras da empresa... e eis diante do Brasil um novo aparelho
montado para trabalhar pelo fim definitivo da identidade nacional. Com a adesão
do público televisivo, todos caindo nos braços da nova paixão, o brasileiro
perdeu sua identidade e se desfiliou de sua relação com a pátria. O que é
pátria hoje? Essa “juventude” de boné saberá dizer qualquer coisa sobre
qualquer coisa? Você mesmo, que pode ter uma formação melhor um pouco, talvez
hesite caso lhe perguntem como você entende o Brasil e o que é pátria...
simplesmente porque são valores COMPLETAMENTE VARRIDOS DE NOSSAS VIDAS, para
que fiquem em cena diariamente mastodontes mentais com sorrisos perfeitos e
mentes vazias, sem contar que os espíritos que os habitam possam ser os de salteadores
ou cafres de outrora. E se a pátria não existe no íntimo dos brasileiros, ela
não existe como fato. A pátria é um sentimento somado. E a macacada que pisa o
solo brasileiro hoje, que nem brasileiro mais vem a ser, tal a
descaracterização de todos os nossos conteúdos e instituições, não tem idéia de
mais nada a não ser de saciar desejos imediatos, ter e consumir. Consumir,
inclusive, e crescentemente, drogas, vide o crescimento do consumo de crack. A
desgraça é tal que possibilitou que uma quadrilha de bandidos esteja no comando
do que se chamou de país e hoje é apenas lugar amaldiçoado. Pois quer saber de
uma coisa que escapa a simplesmente todo mundo? Prossiga lendo. Enter final.
A música, reduzida às mais regressivas e patogênicas formas,
é um sintoma de nosso fim, do fim do caminho que percorríamos com esperança de
chegar a melhores condições como país e como comunidade humana. Um país que
cultua o que há de mais abjeto, hediondo e desgraçante sonoramente não pode
encontrar nada para seu destino que não o inferno social. Vemos crescer
assustadoramente o número de veículos propagando som em alturas infernais, e o
que toca nesses vetores do mal? Claro, não seria Villa Lobos ou Tom Jobim...
Toca o que há de mais bastardo e miserável, sonoridades demoníacas em volume
ensurdecedor. Esses energúmenos trafegam emitindo essa monstruosidade como quem
espalha o câncer com prazer. Eles se odeiam, odeiam o mundo, mas não entendem
isso direito. Então só fazem retransmitir sua miséria íntima de forma a fazer
com que pareça ao mundo que existem, porque eles mesmos se impõem esse horror
sonoro como que para se convencerem de estar vivos e de propalar isso. Mas está
aí a metáfora do horror: isso rima com a corrupção desenfreada que nos devasta.
Se você puser Mozart no som do carro e sair tocando isso por aí é capaz de sofrer
até apedrejamento. É como disse Kon Fu Tsé, vulgarmente conhecido aqui pela
alcunha de Confúcio: Se deseja saber se o governo de um país é bom, verifique a
música desse país e terá a resposta. Já fomos o país de VillaLobos e Tom Jobim.
Hoje, somos do Teló. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
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