Pitadas e tempestades de besteirol
Domingo 23 de setembro passado, às 16h30, começou nas TVs Rede Minas e Cultura SP em cadeia o programa Por Dentro da Orquestra. Que ótimo! Um pouco de cultura, arte e civilização neste Brasil estraçalhado – nos outros canais, só um futebol e diversos programas conduzidos por cafumangos passando ignorância para a população. Só que nem tudo é alegria nessa rara opção. Começou o programa com uma constrangedora cena: sai de dentro de um ônibus a apresentadora Estela Ribeiro em estado – sempre – de apoteose mental. Fala em tal grau de excitação que causa cosntrangimento. Um quadro de ansiedade típica de surto maníaco. Pois ela informou aos pobres telespectadores – pouquíssimos, tratava-se de um programa que seleciona em média um em cada cem mil, na melhor das hipóteses – que estava chegando com crianças para elas assistirem a uma sinfônica tocando. Entre caretas ridículas e poses de uma afetação pra lá de desagradável, ela comandou o trânsito das pobres futuras vítimas da globalização do ônibus até a Sala São Paulo, aquela maravilha – se perdemos a estação ferroviária, pelo menos não virou um shopping qualquer para zumbis consumidores. E aí começou o programa dual, combinando ridículo e constrangimento a compostura e maravilha. Vamos a isso, leitores ainda vivos nessa barafunda global. Enter.
A essa Estela Ribeiro, que algum dedo invisível ordenou que comandasse os programas dominicais de sinfônica, cabe estragar a festa. Ela faz o papel daquela pessoa que não tem senso de ridículo e que acaba por ficar como a imagem da onda errada no encontro. Se fala de instrumentos musicais, é toda caras, bocas e poses, deixa sempre embaraçados ou constrangidos os músicos a quem ela pede pra falar de seus instrumentos. Se entrevista o maestro, como dessa vez, cria uma desafinação de conduta simplesmente desagradável; nesse domingo, o maestro John Neshling aturou pacientemente a postura trêfega de, a julgar pela preguiça que ele exprimia, uma bobalhona; ele ia respondendo séria e serenamente, em oposição ao tom exageradamente excitado da pobre moça. Depois ela entrevistou outra moça, responsável pelo projeto que leva as crianças para ver concertos e conhecer uma orquestra. Foi outro fiasco. A moça respondia com distante seriedade às perguntas feitas com excitação trêfega. Era um alívio quando cortava para a orquestra e se instalava de novo a normalidade mental – ou pelo menos algo estético, em oposição à patacoada esteliana. E ainda foram entrevistados os pobres infantes sem futuro, candidatos já admitidos e submetidos ao longo curso de boçalização global. Um ou outro entre milhares sobreviverá, e até possivelmente, por milagre, estará vinculado de alguma forma àquilo de orquestra e música de verdade. Mas a maioria esmagadora será tragada pela imensa garganta ignóbil da aldeia global, pelo axé, pelo pagode pasteurizado, pelo breganejo lancinante e patético, pelo techno, pelas telenovelas, pelos gugus, faustões e tantos outros funcionários do escritório encarregado de planejar e executar a devastação desta pátria que nos pariu. “Fazer o qüê”, perguntaria o genial Zerró Santos, contrabaixista e compositor genial devidamente marginalizado para que “brilhem” as estrelas do despedaçamento global. Enter.
E a pobre Estela Ribeiro acabou o programa entrando de novo no ônibus com as crianças – que devem achá-le pra lá de imatura.Ah!, que cansaço!... mas deu pra degustar um belo trabalho de um compositor também absolutamente desconhecido desse Brasil achincalhado e massacrado. Deu pra viver momentos inesquecíveis com os Salmos de Almeida Prado, com participação do coral infantil da OSESP, de que sobressaiu um tenorino solista dividindo o canto com um tenor também da casa. Deslumbrante! Aliás, com momentos inebriantes que lembravam Schostakovich, especialmente timbres e concepções como os do terceiro movimento da 5ª sinfonia. O Brasil sacode a bunda ao som de Ivete Sangalo e geme junto com os decadentíssimos sertanojos, pula com os pagodeiros e se massacra ao som do techno, enquanto um Almeida Prado musica maravilhosamente vários salmos para meia dúzia de seres não empastelados pela mídia prostituidora e desumanizadora. Belo cenário! Mas com certeza tudo vai acabar bem, como nos filmes de Hollywood: vem o Armagedon aí, e as montanhas vão lutar. Vem a escatologia anunciada, e o sertão vai virar mar – e o mar vai virar sertão. A TV dá todos os sinais. Enter final.
A excelente locutora dos programas Planeta Terra e Mundo Animal e hoje péssima apresentadora Valéria Grilo é uma de nossas perdas. Antes embalava a moçada com sua fala educada e super adequada para as narrações sobre animais e natureza – embora em um remoto Planeta Terra tenha soltado uma “largatixa”. Hoje, aparece de corpo inteiro fazendo aparição estudada e pisando sem qualquer desenvoltura. Valéria era uma voz, agora virou coisa do tipo Estela Ribeiro: fala andando, faz caras, enverga panos de acordo com cenários de apresentação, virou uma “animadora”. O programa Planeta Terra também dançou: tem formato novo, animações computadorizadas sempre as mesmas, textos padronizados em direção a uma estandardização, tem produção da NASA –, e o que menos se vê é o bicho, que é o que interessa. Agora vale uma história que tenta convencer que viver é muito perigoso. Seguramente passa-se um subtexto ou uma mensagem subliminar para operar nas cabeças: nada de filmagens de especialistas em mundo animal, nada de nos aproximar da vida do bicho. Agora tem a “animadora”, num sem-jeito que dá até pena – como é que uma criatura séria como Miss Grilo se permite tal apalhaçamento?? –, e ainda pinta um outro abestalhado senil, que fica fazendo poses para enquadramento no meio do mato. Ridííííículo!!! E o verdadeiro protagonista dessa pantomima global que devera ter como herói o animal é o que mais nos desencanta e menos interessa hoje: o homem. O fim disso é previsível: o mar vem aí! E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té a próxima, queridos!