Frederico Mendonça de Oliveira
Ou o Português das antas vestidas, de tênis e boné, como vocês quiserem. Mesmo que alguém – ou, melhor: algo vestido à maneira de alguém – argumente que o idioma está se deteriorando porque a miséria generalizada determina essa deterioração, não podemos esquecer que um Lula, uma Hebe Camargo, um Alexandre Pires ou uma Xuxa ou todos os integrantes da fauna televisiva e da elite em geral estão cheios da grana e não passam de apedeutas bem empacotados. A estrupidez para com o Português é um estado de espírito instituído, tanto como o estelionato moral: todos compartilham essa miséria intelectual da fala grosseira e rasteira em combinação e conformidade com essa malignidade de transgredir à maneira dos mandatários. Vamos desfilar aqui para vocês uma enfiada de asneiras que os macacos sem rabo hoje palram, eructam ou bostejam com cara de paisagem, como se estivessem mesmo falando. É patético, dá a impressão de que o fim se instala sem cerimônia. Vamos a isso. Enter.
Começa com a grosseria asinina de transformar o infinitivo do verbo vir em pretério perfeito. Além de córnea como concepção de fala, é obsceno como prática. O Márcio Garcia, aquele ser gramaticalmente mulo embora até bem apessoado que toca o programa de sábado à tarde na Record, quando vai receber alguma toupeira para aumentar o contingente já ali reunido, solta o sesquipedal “Pode VIM”. Como ele, pelo menos uns 184.999.000 falam assim. Virou um hábito mecânico nessas coisas a que antes chamávamos de mentes. E está muito claro que isso de mentes não é mais necessário, como bem demonstra a personagem de Caco Galhardo que devora cérebros: quando alguém reclama de ter tido o seu devorado, o bicho argumenta que isso não é mais necessário, ou então propõe uma solução perfeita: “Ligue a TV“. E já que falamos em TV, a Rede Minas passa por ser educativa, mas pouco ou nada é. E sistematicamente joga no ar aquela vergonhosa “Você está assistindo isso”. No lugar desse isso, o nome do programa. Será que ninguém lá dentro sabe que o verbo assistir, se usado como transitivo direto, significa “dar assistência a”, ou “cuidar de”? Pois é: há anos, diariamente, rola essa bosta. O idioma que vá pro fundo do inferno, tanto quanto esse Brasil tão mais desgraçado a cada dia, esta é a lei. Enter.
E a macacada brasilis opta por alterar o verbo fechar em suas formas rizotônicas: usam com e tônico aberto. Fica mais estúpido, portanto é melhor. Se as cacatuas da TV bostejam assim a torto e a direito, é assim. E assim ficam sendo “compania” em lugar de companhia; “truce” em lugar de trouxe – é tão mais fácil, não é mesmo, ô capivaras? –; “peneus” em lugar de pneus, e essa é firmemente difundida pelo onagro assumido Galvão Bueno, que parece até ser um bom sujeito, mas que caiu em antipatia geral. Ele também divulga o fecha aberto: “O Atlético se “fécha” na defesa”. Só faltava dizer “O Atrético”, e só não diz porque é carioca e branco, e cariocas brancos não falam assim. Quanto a letreiros, cartazes, qualquer coisa impressa, a putaria rola solta. Aspas viraram elemento decorativo: “Só não pagam passagem crianças ‘no colo’”. Fica para o leitor a satisfação de analisar o que leva os bugres a tal atitude. Tem até coisas que acabam certas sem querer: “Casas Não Sei Quê: onde à elegância chega até você”. Eles queriam dizer que a elegância chega até você, acabaram dizendo que até você chega à elegância. A crase entrou por tacanhez, acabou certa de outra forma – e para a capivara que lê, isso não muda nada: até porque ninguém mais sabe o que seja elegância. Enter.
E tem a doença do “antes de ontem” em lugar de anteontem, sem esquecer o trágico “ônti” no lugar de ontem, agravado pelo paulistanês “ôunti”; e o abissal “antes de ônti”, que vai ao catastrófico com o paulistanês “antis di ôunti”. Antes de ontem pode ser qualquer data passada, porra!, é óbvio. E tem o “vai vim” e o “vô vim”, que passam o atestado de óbito para os integrados nesta cloaca fétida que é a Pindorama do terceiro milênio. E esses seres que começaram por dizer “teiado” em vez de telhado vieram construindo telhados desde 1500 e sabem por instinto encaixar órgãos sexuais, e chegamos aos 185 milhões de energúmenos, em sua maioria esmagadora não passando de maratimbas fazendo eco e apresentando as orelhas de abano aos guais ganibundos e lancinantes de Mirosmares e Lucianos da vida infernal de hoje. E por falar em Mirosmar, prenome de um certo capa-bode ou cafumango de nome de guerra Zezé di Camargo, vale a pena observar os prenomes nesses dias apocalípticos de bonezudos, fiveludos, botinudos, chapeludos, pneuzudas, tudo vivendo em turbilhão e atendendo por desde Zecas até Charlingtonglaevionbeecheknavares dos Anjos Mendonça, que aliás permite que o chamem de Charli. E por aí vamos pirambeira abaixo. Enter final.
Viver no Brasil hoje é o que se pode chamar de escatologia, na primeira acepção do termo. E ainda existe o drama de falar ao telefone com desconhecidos no outro lado da linha. Não é incomum receber uma chamada a cobrar e o boçal do outro lado ainda perguntar insolentemente “Queim ’tá falano?”. Pior ainda é ligar para uma empresa qualquer e aturar uma funcionária psicopata que quer arrancar informações inúteis do pobre infeliz que ligou querendo saber apenas se o patrão ou outro empregado que não ela estão. Depois de nos obrigar a dizer o nome e origem da ligação, ela diz que “Ele não está”; se for paulistana, solta um “Ele não se incountra” – o que nos faz pensar que o cara pirou. A luta quase corporal ao telefone é uma das marcas do inferno que vivemos. E se conseguimos driblar uma louquinha dessas dando o nome antes de ela perguntar, ela até eventualmente responde o que queremos e, antes de passar a chamada, pergunta: “Como é o seu nome?”, e começa tudo de novo. O ideal é mandarmos a criatura pro inferno, aliás local de onde ela veio ou onde na verdade vive. E por hoje é só. Vamos redescobrindo o Brasil. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!