Frederico Mendonça de Oliveira
Ele até comprou uma Folha do domingo de carnaval, quebrando sua resistência para com o que os comunistas remanescentes do MR8 chamavam de "a cloaca da Barão de Limeira" (rua onde a Folha tem seu prédio). Mas, passando os olhos pelas titicas coloridas expostas na banca de jornais – o ônibus só passaria dali a 25 minutos –, viu, em chamada de capa, que o colunista Jânio de Freitas criticava o carnaval em geral, destoando fortemente do apelo estúpido e estupidificante das manchetes dos outros jornais, um dos quais, em tom mais pra histérico que pra ufanista, perguntava, em garrafais: "Crise? Que crise?", tendo como foto uma tomada aérea do carnaval de rua em Recife. "Patifes cínicos!...", rosnou consigo nosso herói, que já comentara com sua adorada Maria que o carnaval já rola por todo o ano, que não é mais contrapartida para um ano de calendário cristão-católico, que os carnavais temporãos já teriam quebrado o mistério do tríduo momesco atrelado a uma tradição. Hoje o carnaval lembra a "Noite dos Desesperados", magnífico filme do Sydney Pollack em que na Depressão de 1930 casais disputam prêmio em maratona de dança tentando aliviar o miserê em que viviam. Note-se que aqui, neste carnaval fantasma, os que tentam achar um sentido são os que ocupam o poder: o povão só perde e gasta – quando pode. E o arraial então presenciou uma das mais safadas farsas de sua história carnavalesca, já atingido desde a década de 90, quando veio da Bahia a onda da micareta, carnaval temporão, aliás afronta a todos os conteúdos do carnaval como tal. Enter.
Segundo noticiou o site do arraialito responsável pela única tarefa jornalística local – o resto é pura manipulação de fatos, desrespeito pelo jornalismo e pela população –, a prefeitura ignorou o carnaval tradicional, escolas de samba, blocos e tal, e propôs o deslocamento dos "foliões" para uma beira d'água chamada de rampa, onde, segundo os mais radicais críticos da situação, a turma poderia nadar na merda, entre morenos cagalhões flutuantes. É que justamente naquela beira do lago são despejados 40 por cento do esgoto da cidade. Destacaram até ônibus escolares para deslocamento de foliões (fooooliõõõões????), o que já aciona cidadãos contra possível ato de improbidade: uso de veículos escolares, cedidos pelo Ministério da Educação para transporte de alunos, para outra finalidade; e o Ministério Público já está sendo questionado quanto a entrar em ação contra o desvio administrativo. Para alguns, foi o mesmo que literalmente mandar a população à merda no carnaval, e a turma de leitores do citado site caiu de pau na “iniciativa”, liberando a ira contida frente a tanta maluquice praticada nesta gestão. Enter.
No Rio, inventaram o Piscinão de Ramos, aquela coisa meio esdrúxula; aqui nestas montanhas inventaram o “Pinicão das Alterosas” (na verdade, seria "penicão", mas a turma escreve com "i", fica mais obsceno, mais popular), onde todos vão nadar entre cocôs navegantes. É de uma burrice típica de administradores já irrecuperáveis em termos de consciência social, lucidez profissional e tal. Os pobres cidadãos ainda mantêm alguma sintonia com a verdade, e eis que a turma se conflagra e simplesmente rechaça a onda de ir à merda, coisa que até macacos, com ou sem rabo, se negam a admitir – mesmo que só por instinto. "É do outro mundo!", exclama nosso herói, testemunhando a decomposição do Brasil, coisa patética, inacreditável. O panorama na tal rampa onde se realizaria o carnaval popular, a partir das fotos expostas no site, é desolador: meia dúzia de gatos pingados à beira d'água ou mesmo nadando em meio a poluição como se nadassem na piscina do clube burguês do arraial. "Se vierem consequências dessa loucura, quero ver", pensa Manoel, "quem será inculpado!", e assim possivelmente virão desdobramentos dessa atitude oficial, e o Município terá de indenizar doentes em decorrência de banhos ao molho de cocô. Enter.
Pois os leitores do site, que dispõem de espaço cedido pelo informativo para externar sua opinião sobre qualquer notícia, caíram de pau firme em prefeitura, organizadores e/ou idealizadores do "mergulho no pinicão", negaram-se a engolir empulhação, e quase tudo envolvendo a patacoada oficial recebeu reação irada. Um ou outro escreveu formalmente, tendo ainda um ou dois, numa enfiada de mais de cem manifestações, ousado apoiar a idéia do "governo". Na verdade, uma "entregação" geral, uma furiosa carga de cavalaria pesada contra os que mandaram o povo à merda. E registre-se a participação de um ambientalista no site. Ele vem de uma longa experiência como piloto de limusine em Nova York, já escreveu um livro sobre a imigração ilegal nos EUA, inclusive revelando as feias baixas de brasileiros. Preocupado com a degenerescência visível e alarmante que atinge as instituições, esse rapaz, combativo e lúcido, tem dado canseira nos poderes do arraial, especialmente no Judiciário, teve até a coragem de se plantar à porta do Fórum dias a fio portando um cartaz em que, além de pedido de socorro, se denuncia que o arraial não tem lei eleitoral. Enter final.
É, gente, Manoel acha que devemos todos nos negar a ir à merda, mesmo se de barquinho. Que devemos assumir postura radical de enfrentamento dessa putaria que avança contra a população indefesa pelos quatro cantos do País. Mesmo cético para com qualquer possibilidade de reversão desse quadro social apavorante e dessa desgraça explícita que nos assola severamente, e sem como sair dela, Manoel admira o valente ambientalista que não dá descanso aos que se locupletam com dinheiro público e desprezam a população que os elegeu. Contemplando a retidão da posição do jovem combatente, Manoel se recorda de seus ídolos de Portugal e mesmo do Brasil, e uma nesga de esperança o acomete durante as últimas horas deste carnaval 2009, em que Momo não deu as caras nem pra constar: Momo é o passado, e adeus. E viva Santo Expedito! Oremos. 'Té a próxima, queridos!