sexta-feira, 13 de maio de 2011

Desmistificando o flato

Frederico Mendonça de Oliveira

Foi numa festiva reunião de cúpula do Partido Comunista Brasileiro lá pros anos 70 que o pai de um rapaz pretendente a intérprete compositor de emepebê foi crucificado, ou expurgado, usando o termo dos comunas. Ele já vinha causando a ira dos burocratas comandantes da joça estalinista de algum tempo, por se posicionar em padrões digamos cristãos para os valores daquela corja. E estava na mira dos caras, que só esperavam ocasião para queimá-lo. Pois nessa tal festa eis que ele se agachou para pegar algo que caíra da mão de uma senhora – ou coisa que o valha. Ao se curvar para cavalheirescamente pegar o troço e devolvê-lo à dama, eis que emitiu um flato involuntariamente, e a emissão foi ouvida por muitos. Resultado: esse pum foi usado como meio para fazer o cara despencar no ridículo, e ei-lo expurgado para sempre. Diante disso, vale a indagação: por que diabos o flato é motivo de tantas coisas, especialmente de riso? No caso referido, trata-se de uma situação imprevista, e o pum virou o pretexto para uma eliminação de um quadro insubmisso a ditames daquela máfia sinistra. Veio a calhar o cara soltar a ventosidade sonora em situação imprópria, e nem ficou sabido se fedeu. Mas, voltando: por que o flato é tão estrelizado, demonizado, mistificado, condenado, temido, evitado? Enter.
Seria por ser manifestação sonora emitida pelo extremo oposto da boca? Bem, nosso aparelho fonador oficial é a boca, isso é lei. Neste caso, o flato é a inversão e a transgressão da covenção, portanto a manifestação do não aceito ou previsto, porque é som emitido por outro aparelho, escuso. E porque todos escondem tal aparelho, aliás já devidamente oculto por natureza entre nádegas, ouvir manifestação dele é motivo de surpresa. Ou apenas de inversão do sinal tradicional. Se a boca é admitida como tudo – beleza, meio de manifestação de sentimentos ou pensamentos, meio de alimentação, de práticas amorosas consideradas naturais –, o mesmo não acontece com o oposto dela naquilo que Cervantes chamou de “canal mestre”. O nosso tão problematizado esfíncter anal, que já começa causando problemas desde que o neném o faz funcionar e causa a trabalheira de troca de fraldas, começa sua existência entre nós já estigmatizado. E a tendência é tê-lo bem ocultado, e assim vamos vida afora. Andamos em público vendo bocas à vontade – mas os ânus, seus opostos, estão sempre bem ocultados sob panos e mais panos superpostos. E nunca sabemos, a menos sob acidente, se eles estão liberando gases enquanto as pessoas andam entre prateleiras de lojas, de supermercados, pelas ruas, o que seja. A menos que o mefítico odor sulfídrico se faça notar ou que algum esfíncter mais amolecido pela idade não consiga conter uma emissão algo ruidosa, os ânus estão bem ocultos, e os puns, se ocorrem, passam batido para a grande maioria ou para a totalidade dos que deambulam coletivamente. Eis a regra. E imagine-se o que rola nas igrejas, especialmente as que levam os fiéis a arroubos de fé, aos gritos de “viva Jesus!” e tal... é bastante possível que nessas zorras ocorram altos traques voluntários ou não. Aquele senhor que sofre de gases e padece com episódios de flatulência incontida deve encontrar nessas sessões uma bela alternativa para, como disse o Eça em O Mandarim, aliviar seus intestinos com estampido. E isso não deixa de ser louvor a Deus, porque se junta ao coro dos fiéis e sobe para os céus tanto quanto as manifestações fervorosas dos religiosos. Enter.
E o elevador? Bem, isso é crítico. Os burocratas mais problemáticos são normalmente os bancários, até tidos como eméritos cultivadores de hemorróidas, talvez pela associação de sedentarismo com tensão envolvendo o lidar com aqueles valores em tão desencontradas direções. Mas para estes o pum no elevador é relativo, porque normalmente bancos são em térreos. Mas nas caixas e nos cofres a turma peida, sim! E a concentração de espigões nos centros empresariais e administrativos nas cidades obriga a macacada a se valer de elevadores, claro, e burocratas, além de sedentários, são normalmente, como disse Trotsky, “uns pilantras de primeira”. São aquela gente que se nega em sua própria tarefa, vivem uma vida sem perspectiva, até porque perspectiva dá trabalho aos miolos, e o negócio deles é manter o cérebro em ponto morto. Sendo isso contradição existencial grave, a fermentação intestinal é obrigatória, inclusive porque eles ingerem porcarias como regra e comem como vivem: estupidamente. O resultado é flatulência na batata, quando não prisão de ventre, má digestão crônica, e os elevadores recebem aos montes esses tipos. E daí sai aquele hit da Sandra de Sá, adaptado para o Casseta e Planeta: “Não solte pum no elevador!”. Na sequência de episódios do C & P sobre o pum, cenas que vi por acaso, aparecem momentos dentro dos elevadores em que alguém empesteia o espaço com uma ventosidade fétida e o circunstante manifesta sofrimento sob a pestilência adversa. Em outra cena, está colocado numa das paredes do elevador um grande nariz de plástico, que acende quando é liberado gás sulfídrico na área. Bem, tudo isso na verdade comporta um tratado, mas é fundamental sabermos da história de Monsieur Pujol, “Le petomane” – o peidão. O link adiante é uma biografia do cara: http://video.google.com/videoplay?docid=-1642327781082382380#. Confere com o que pesquisei. Para quem anda enfadado com a miséria careta e “politicamente correta” desses dias boçais, nada melhor que recuar no tempo e curtir a loucura da Paris na Belle Époque, em que Pujol sacudia platéias durante anos até executando a Marselhesa com seu prodigioso toba. Enter final.
E tem um genial anúncio de Luftal sobre o pum. Você pode vê-lo: http://www.youtube.com/watch?v=wXuTy_zCx7s , e rir bastante, claro. E uma coisa é fatal: vivendo como vivemos, não pense você que a mais séria das criaturas não viva também, como todo mundo, às voltas com driblar traques, puns, peidos, flatos. Há até quem pense que “peido” é onomatopéia, mas não é: vem do latim peditum, ventosidade. E assim, sem mais a dizer, fico por aqui, certo de ter tentado desmistificar um tabu que todos (ou quase) guardam com empenho. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar: estamos sob censura desde 11/04/08, aliás mantida por Gilmar Mendes, e a restrição vai totalizando 1095 dias. Abraço pra turma do Estadão, há 647 dias também sob mordaça.