quinta-feira, 16 de abril de 2009

Manoel e a perdição do mundo

Frederico Mendonça de Oliveira

Pudera: analisando a ação terrorista do Império contra o Afeganistão, o Iraque, a posição dos EUA – sede do Império – contra o Irã, a Coréia do Norte, Paquistão e mesmo Índia, sem contar a política extorsiva que os mecanismos do Império, a partir do FMI, exercem contra o Terceiro Mundo, Manoel, agora desligado de sua amada Maria, olha com desprezo e desengano para esse mundo que antes ele e seus conterrâneos chamavam de “mundo de Deus”. E que agora ele poderá chamar, sem nenhum traço de visão simplória no plano filosófico, de “mundo do diabo”. E, enfrentando o estado praticamente de choque pela ausência de sua amada Maria, Manoel se entrega a leituras várias, inclusive à de clássicos que lera em sua tenra juventude: Camões, Júlio Diniz, Camilo, Herculano, e qual não é sua estupefação quando constata que seu desengano vara séculos. Custa-lhe acreditar que a condição humana possa viver um sempre desastre iminente, sempre à beira do abismo, sempre no limiar da tragédia!... e que os homens estão sempre divididos entre a maioria de zumbis corruptíveis ou susceptíveis e a minoria de conscientes vivendo o conflito diante do caos e da contradição de encartar a desesperança e o horror como fatais diante da constatação da “realidade”... Enter.
O arraialito deu a Manoel a maior de suas experiências desastrosas na vida. Nem a guerra civil no Rio, aquele horror indizível, indescritível; nem a ação bélica suja e covarde do Império contra países indefesos como Iraque e Afeganistão; nem a ignomínia de décadas de massacre de Israel sobre a Palestina, simplesmente nada o feriu tanto como constatar a deformidade da “moral” da vizinhança de seu bairro no que promoveu e promove perseguição, apoiada pela corrupção EXPLÍCITA das autoridades locais, contra o morador que se apoiou na lei para defender sua propriedade, atingida por uma mudança criminosa providenciada por setores do “poder constituído”. Essa abjeção toda, que revelou a Manoel uma deformação de caráter coletivizada e assumida pelos moradores simpatizantes do ilícito e que perseguem o morador de forma torpe e covarde, “virou-lhe os bofes”, como se diz na Santa Terrinha em relação a vísceras. Mas ganhemos altura: esse rés do chão, esse estar nivelado a essa gentuça estúpida e/ou corrupta é algo capaz de produzir ânsias. Vamos ao passado. Enter.
Camões dissera, nos Lusíadas: “Põe-me onde se use toda a feridade, entre leões e tigres, e verei se neles achar posso a piedade que entre peitos humanos não achei”. Pois é o que o morador perseguido vive, nesses dias de tecnologia chegando ao inacreditável. Vive entre algo muito pior que feras, pois esses seres são gregários como lobos, atacam em alcatéia e são unidos por um insaciável desejo de sangue. E se dizem gente, e se consideram no topo da civilização. Pois bem antes, muitos séculos, Lao Tsé denunciava: “Quando a ordem prevalece no império/ os cavalos de guerra cultivam os campos/ Quando o Caminho (a ordem, a lei)é esquecido,/ os cavalos de guerra correm nas fronteiras”. E ainda: “A corte é corrupta!/ Os campos estão carregados de ervas daninhas/ Os silos estão vazios/ Todavia é possível encontrar pessoas ricamente/vestidas, com as/espadas dependuradas na cintura” (neste caso, trata-se de seguranças, carros blindados, armas caras, proteção eletrônica, etc.) “Empanturradas de comida e encharcadas de bebida/ que nem sabem avaliar o total de suas riquezas/ E quem acumula riquezas estimula o roubo”. Enter.
Precisa mais? Pois é. “Quem estimula a corrupção esbofeteia a si próprio e a Deus”, pensa nosso herói. A si próprio, porque cospe naquilo que o protege; a Deus, porque Ele tudo vê! E foi ainda em Herculano que Manoel recordou coisas que o sacudiram na tenra juventude: “Hoje, nos Paços de Toletum (Toledo) só retumba o ruído das festas (como no arraialito, as orgias regadas a tudo), os francos (gauleses) e os vascônicos (bascos) só falam das províncias do norte, e a espada dos guerreiros só reluz nas lutas civis” E essa ainda: “Dantes, nos conselhos dos prelados, dos nobres, dos homens livres, as leis iam buscar a sanção da sabedoria a aferir-se pela utilidade comum. Lá, o rei sabia que o poder lhe vinha de Deus e da vontade dos godos (que ocuparam a Espanha quando da ação do romance de Herculano), que o cetro era cajado de pastor, não cutelo de algoz, e a coroa, uma carga pesada, não uma auréola de vanglória”. Enter final.
E Manoel pensa no fútil e álacre Lula, tipo histriônico desfilando sua vanglória por um país cadáver e por esse mundo vergado à degenerescência imposta pelo Império... E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes...