sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Manoel e a anunciada prisão de Tiririca

Frederico Mendonça de Oliveira

“Não há mais sentido em nada nesse Brasil, ó Maria! Será que nós é que estamos amalucados e o Brasil está em perfeito estado de saúde mental?? Agora o promotor Maurício Lopes, segundo a Folha, ‘pediu à Justiça que o deputado eleito Francisco Everardo Oliveira Silva (PR-SP), o Tiririca, seja condenado a cinco anos de prisão. Essa é a pena máxima para o crime de falsidade ideológica, do qual o humorista é acusado.’, diz a notícia. Não existe muito a duvidar nessa história de o Tiririca ser candidato: foi um golpe bem tramado por espertalhões, uma armação que tentou antes outros nomes conhecidos, como o Dráuzio Varela e uma certa Sabrina Sato, que dizem ser ‘apresentadora’ – cá pra nós, ó linda, apresentadora de quê?? –, e que acabou encontrando o Tiririca, e ele topou a aventura de cara, seguramente porque palhaçada é seu feitio e sua função nesta vida”, expõe Manoel a sua amada, que dobra roupas cheirosas que ela acabou de tirar do varal lá embaixo, com religiosidade total. A reportagem ainda aponta aspectos que seriam sustentação técnica para o pedido de prisão: “Segundo o promotor, Tiririca entregou à Justiça Eleitoral declarações falsas sobre sua alfabetização e a propriedade de bens. A lei prevê que a punição no caso pode ir de um a cinco anos de prisão. ‘Pedi a condenação na pena máxima tendo em vista a repercussão social do crime e a natureza da falsificação, que foi feita para produzir uma fraude eleitoral de rumorosa consequência jurídica e social’, afirmou Lopes”, segundo a mesma Folha. A colunista Mônica Bérgamo também aborda a coisa, pendendo para o lado do palhaço: “Ainda às voltas com acusações de que não saberia escrever e por isso não poderia assumir o cargo de deputado federal, o palhaço Tiririca teve parecer favorável da Justiça Eleitoral para a aprovação de suas contas de campanha”, diz a pregoeira dos ricos da Paulicéia e do Brasil, quiçá do mundo. Em outro momento, cai no saco o que se segue: “A atuação do promotor no caso já levou a Corregedoria do Ministério Público a abrir uma investigação para apurar eventuais excessos dele na busca por uma condenação do humorista”. Enter.
“Enquanto isso, ó Maria, o crime avança no nosso saudoso Rio de nossos primeiros vagidos de amor. Os revoltosos – que o sistema chama de bandidos – estão provando por A mais B que não há mais o que os detenha, que estão de tal forma integrados e inerentes ao tecido social que não há mais possibilidade histórica de extirpá-los. Eles são o pecado essencial do sistema se manifestando de forma irrefreável. Para exterminar essa manifestação, seria necessário exterminar a origem dela, e a origem dela é o próprio corpo social... que se deixou cooptar pela malignidade do capitalismo brasileiro e carioca em especial, e agora temos um terrível corpo social duplo indissociável, como gêmeos toracópagos dotados de um só coração. Se se tentar livrar um do outro, os dois morrem, porque o coração é único... E tudo isso nos leva a perguntar o que Pilatos perguntou: ‘Quid est veritas?’, na verdade contendo, isto, o sentido oculto da percepção da decadência iminente do império romano. Mas para nós aqui, ó linda, fica a coisa na superfície mesmo. É que o chamado Congresso congrega NADA: congrega mesmo é uma caterva de desconhecidos que em nada representam o povo que os guindou a tal condição. ‘Onde está a verdade?’ Esta inversão de valores revela o erro, a malignidade presente na gênese do processo político-social, e do que decorre a sociedade entrar em processo de autofagia e de conflagração. Células em confronto mortal, em suma, quando deveria ser o oposto!”, considera Manoel chapado com o paroxismo que explode no Rio e que brevemente acabará tomando todo o território nacional como nova instituição viva. Enter.
Toca o pianista John Bunch na Jazz Radio (www.jazzradio.com) com seu trio, uma linda balada, I’ll Get By, um requinte só. Enquanto isso, no Rio, a guerra se agrava. Manoel considera fatos e conteúdos: “A população até já considera que chacinar os revoltosos – na verdade, excluídos, não propriamente marginais, mas, sim, marginalizados –, seja solução. Mas não é: é desespero de causa, e isso não traz solução. O erro vem de longe, e não há como retomar o começo e repensar o rumo, corrigindo o desvio que gerou essa desgraça toda. Aliás, isso começou a se agravar estupidamente concomitantemente à entrada da Globo no ar. Alguns lúcidos dirão que a violência se desenhou, gestou e nasceu nos anos da ditadura. Certo, mas não se pode esquecer que a Globo entrou no ar no verão de 1964/1965, e agiu contra a população de forma imensamente mais destrutiva que 20 ditaduras militares... As ditaduras do Chile e na Argentina mataram horrores, mas os dois países não despencaram em valores sociais como nós, porque lá não teve Globo, não teve a destruição institucional que esse horror televisivo detonou aqui. A explosão populacional e a deseducação intervencional chegando à piada da boçalização teratogênica via TV não poderiam ter chegado senão a essa atual desgraça, uma conjuntura em que os opostos estão caoticamente abraçados numa dança mortal e trágica!”, fala Manoel depois de constatar que a ação policial e militar deixam cair a máscara. E Maria, depois de organizadas todas as roupas, intervém. Enter final.
“Pois isso vai dar em mais derramamento de sangue, vai gerar um círculo vicioso em que o lado chamado criminoso estará cumprindo é o papel que deveria ter sido desempenhado pela chamada boa sociedade. Hoje estamos à mercê de quem? Estamos desarmados, de joelhos! As instituições foram desmanteladas todas, o marginalizado está em sua condição de opositor do regime e está armado – e ataca pra valer. E nós? Adubamos isso com nossa omissão e aceitação do cinismo desse sistema comandado por pulhas, sudras, canalhas, patifes, vilões, seja qual for a colocação política deles, que pululam nos três poderes e em tudo que cerca essa arquitetura infernal??? Somos cínicos, cagões ou pusilânimes? Cínicos são os que só almejam benefícios; cagões, os que se defecam só de pensar em assumir qualquer responsabilidade; pusilânimes, os que preferem apodrecer confortavelmente com carrão na garagem e inserção social através de planos e mais planos. Seria isso uma estrutura LEGAL???”, indaga Maria com olhos ardentes de indignação. Enter final.
“O que nos resta é a mais cínica de todas as decisões, mas é a única alternativa: ficar na moita em casa, quietos, rezando para que o ódio social não nos atinja. A corrupção já nos alvejou, mas isso acaba saindo na urina, porque lidar com pulhas à distância é suportável e superável. Mas o cinismo, em certas horas, é a saída digna, por mais paradoxal que pareça. O Brasil já era, o mundo já era. Não poderemos reverter isso. É ter fé em Deus e que venha o que vier: juntos enfrentaremos qualquer coisa”, conclui Manoel sob o olhar concentrado de sua Maria. “A nós nos resta o nosso amor e Deus, filho!”, conclui Maria. E o mundo lá fora vira apenas um pesadelo, e a paz inunda o espaço em que manda o Cristo. E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té a próxima, babes!
Ah! Vale lembrar: estamos sob censura desde 11/04/08, aliás, mantida por Gilmar Mendes, e a restrição vai totalizando 932 dias. Abraço pra turma do Estadão, há 483 dias também na mordaça...