sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Manoel cede espaço para uma fala acerba

Frederico Mendonça de Oliveira

“Ó Maria, ouvi esse cara falando e cedo espaço para que o ouçam. Que haja sobreviventes!”, avisa Manoel a sua deusa, que emite luz enquanto cuida da casa, seguida pelo gato também apaixonado.
E lá vai a coisa, que há dias espera o momento para ser aberta aqui. Enter aperitivo.
“A verdade é que estamos vivendo o mais asqueroso circo da história deste país. País?? Que país??? Estamos num lugar caotizado, onde o lixo material, o lixo humano, o esgoto a céu aberto e a depravação política e social se combinam com a ostentação de um setor concentrador, e a metáfora mais contundente disso é a passação de helicópteros por sobre a miséria superlativizada em barracos aos milhões, ferida purulenta que avança por sobre espaços antes vivos, agora tomados por pus e fezes, por seres sub-humanos de todas as idades. E as tristes imagens que há mais de 50 anos doíam em nossas retinas ainda esperançosas na solução social que sanearia a desgraceira já apavorante hoje ganharam dimensão continental e profundidade abissal. E lá vem a corrida presidencial, pelos cargos de executivo estadual e pela boca rica do Senado, aliás três bocas ricas, como é boca rica todo e qualquer cargo dentro dos chamados “três poderes” e quejandos.
“‘Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!’, cantávamos inocentemente em 1960, apenas brincando um carnaval esperançado em que essa marchinha tirava uma casca de uma personagem do programa dos Nóbrega naquela impagável praça. Éramos ainda um país em grande atividade cultural e científica, sem contar que acabáramos de abiscoitar a taça Jules Rimet, ao conquistarmos, com o melhor futebol de todos os tempos, a Copa do Mundo de 1958. E a Bossa Nova virava uma página da música popular mundial, mostrando um Brasil culturalmente vivo, pujante, vertical. Tom Jobim e João Gilberto apresentaram a mais profusa obra musical de nossa história de canção, e em torno deles explodiu uma constelação de nomes ligados a música em todas as dimensões e direções, coisa que nem o Brasil nem o mundo teriam ideia (é) de poder existir antes de acontecer Chega de Saudade. E pensar que, justo então, nossa Literatura, ostentava João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, José Cândido de Carvalho, Mário Palmério, Rachel de Queiroz, Lígia Fagundes Telles e outros. E ainda poetas como Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Mário Quintana, Cecília Meireles, que tal? E nossas artes plásticas, com (ainda) Portinari, Di Cavalcanti, Ivan Serpa, Volpi, Rebolo, Penacchi, Manabu Mabe, Yolanda Mohali, Vega Nery, os concretistas e neoconcretistas reunindo Lígia Clark, Amílcar de Castro, Iole de Freitas, Hélio Oiticica, Willis de Castro, e ainda aparecendo os Ianelli, Maria Leontina, Marcelo Grassman, Tomie Ohtake, Ferreira Gullar, putzgrila, quem sabe disso hoje?? A turma hoje sabe é de... Ivete Sangalo? Que mais? Netinho? Alexandre Pires? Duplas de agrobregas todos de cariz oligofrênico – em se tratando de manifestação de expressão, o que seria o que esses seres emitem para um público quase que inteiramente feminino e que só faz cantar junto aquela massamorda sonora miserável e regressiva e gritar histericamente como se estivesse presenciando a descida gloriosa de Cristo, em êxtase, redivivo à Terra? –, seres bizarros emitindo guais diante de plateias (é) feias (ê) de tanta ignorância e atraso mental e espiritual?
Bem, enquanto essa miséria pandêmica ocorre sob a omissão canalha de um governo cinicamente de joelhos diante das ordens dos amos do Império, enquanto se estraçalha a cultura brasileira em nome dos interesses de um tal de mercado que justifica o mais horrendo estupro a toda nossa dimensão cultural constituída, processada e evoluída ao longo de séculos de sofrimento e enfrentamentos de toda sorte, o que se revela como reflexo/gênese disso é que metade da população brasileira não dispõe de sistema de esgoto sanitário. Metade da população do “país”, segundo andam revelando nas quebradas da imprensa dos globalizadores, não tem onde depositar suas fezes e não raro usa água de rios onde, além de despejo de dejetos humanos, se desovam corpos de cães e cavalos mortos, e os ratos fazem parte do cotidiano desses “seres” beneficiados pelo Bolsa Família, segundo eles próprios revelaram hoje (19/08) em O Globo. Esse relato, com detalhes aterradores, saiu nessa publicação deletéria pela manhã, lá pelas 08h, mas logo logo, às 11h40, já saíra da primeira página, permanecendo estampadas várias notícias estúpidas, como protestos contra a magreza de Angelina Jolie, como os diamantes de Naomi causarem baixa em Fundação na África, como no Nordeste mãe ter batido em filha com vara... tudo pra desviar a cabeça dos otários que ainda abrem jornais fazendo disso um componente REAL de suas vidas.
O mundo caiu, está tudo indo para o pega entre as montanhas, o Armagedon. É isso, não temos escolha. As desencarnações em massa, milhares, dezenas de milhares, até milhão de vítimas, além de vermos o crescente desarranjo avançando contra a Natureza, o que aponta para doença generalizada no planeta, tudo revela que a coisa mai pra lá de mal, que o ser humano agrediu de forma incontornável os conteúdos básicos que constituem a essência vital da Terra. O câncer instalado na política é um sintoma claro de que o mal venceu essa etapa, que estamos enfrentando a degenerescência sem remédio. A miséria musical é outro sintoma do desastre irreversível: “A música pode destruir a civilização. Foi explicado, com minudências, o tipo de música que deveria prevalecer em ordem a manter a estabilidade e o bem-estar do Estado, bem como a felicidade, a prosperidade e o progresso espiritual de cada cidadão. Ademais, foi indicado, da mesma maneira circunstanciada, o tipo de música que deveria ser rigorosamente evitado em razão dos seus efeitos destrutivos e degenerativos sobre o homem e a nação”. Eis aí os Netinhos, os Leonardos, os asiáticos Chitãozinho e Xororó, as duplas deletérias, o rap, as formas estupidificantes porque estupidamente comerciais, eis aí o Brasil desgraçado e moribundo, terminal.
E o Brasil é um retrato vivo disso, um país sem coerência nenhuma, sem qualquer perspectiva senão a crescente degenerescência, que se consumará em desastre generalizado a qualquer momento, desastre que já está em curso diante de nossas barbas, bastando, para a consumação final. se estabelecerem os elementos cósmicos propiciadores, e isso é fatal. O despedaçamento final vem aí. Não temos escolha mais.”
“Viste isso, ó Maria?? Ó Maria, onde estás??? Ó Maria!!!!”, e Manoel não vê mais sua linda amada, que se esfez em vazio, desapareceu dos olhos de seu apaixonado para sempre. “Ó Deus, estou só, estou só! Conceda-me forças, ó Pai, para suportar este vazio, que já se vinha insinuando há tempos, mas que agora é fato!”, lamenta-se nosso herói. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!

Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, a restrição já vai totalizando 840 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 383 dias...