sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Urbanismo à brasileira*

Frederico Mendonça de Oliveira

Um certo bom português de nome Manoel, vindo lá das bandas de Trás-os-Montes, de onde os lisboetas dizem provir a tão decantada suposta burrice lusitana que os brasileiros gozam há séculos, estando aqui nas montanhas do sul de Minas tentando viveire feliz mesmo que sem o seu bacalhau, suas batatas, seu azeite e seu vinho degustados no clima em que os degustava por lá, deparou com uma certa praça pública que julgou ser algo de outra categoria urbanística que aquela que seus bons e velhos olhos de homem viajado conhecera até estes dias de balas perdidas, outra inovação brasileira que lhe causa certa estupefação. Enter.
Vendo que a tal praça causava uma razoável pendenga na cidade e mais especialmente entre os moradores que a cercam, resolveu dar um pulo a Portugal, mais especialmente a Trás-os-Montes, sua terrinha natal, para investigar se por lá poderia haver algo parecido com a inovadora pracinha daquele arraialito espetado nas montanhas sul-mineiras, especialmente porque o deixou muito intrigado a discórdia que cercava o inusitado logradouro em questão. Afinal, se agora estava envolvido com a terra para a qual emigrara, seria de bom alvitre que nada nesta sua nova condição de cidadão ficasse sem explicação razoável, e uma pesquisa pela Santa Terrinha de Portugal poderia pôr fim a este tão estranho enigma encontrado nas montanhas alterosas em que agora vivia. Enter.
Nada encontrou parecido por lá, nem na linda e velha Lisboa de outras eras nem nos diversos povoados que percorreu em busca de dar com os olhos em algo naquele estilo sul-mineiro. Pois ocorreu-lhe realizar uma pesquisa do tipo que os brasileiros chamam de ibope. Passou a indagar a seus amigos ibéricos a respeito da curiosa obra urbanística, e logo o admirou que falar da pracinha, descrevendo-a de início apenas por suas características, provocava reação semelhante com quem quer que ele falasse: primeiro, uma estupefação associada a incredulidade; logo em seguida, uma explosão de gargalhadas muito parecida com as que sucedem as piadas que contam no Brasil sobre seus patrícios. Pois deu-se que, no percurso de sua pesquisa, a questão se alastrou entre seus congêneres lusitanos como uma nova e impagável anedota, coisa que mais e mais muito o admirava – ele não entendia a razão de tanta hilaridade, pois apenas pesquisava uma característica urbanística sul-mineira, não uma excentricidade tal que levava os conterrâneos portugueses a tal reação. Enter.
Pois já começando a arrumar as malas de volta para o arraialito em que agora residia nas montanhas sul-mineiras, resolveu, para ver se entendia de forma clara e eficiente o enigma de falar sobre a questão causar tamanha espécie e tanta explosão de risos, buscar aconselhamento íntimo com a sua velha namorada Maria, com quem promoveu na mesma alcova de outros tempos uma sessão flash-back sobre alvos lençóis de linho perfumados de alecrim, e, claro, ambos em trajes de Adão e Eva... Enter.
A primeira foi ótima, e eles fumavam entre arrulhos com saudades do passado e já se iam excitando para a segunda quando nosso Manoel lembrou de abrir a questão antes de partirem pra nova queca (em Portugal, assim eles se referem ao ato de fusão de corpos). Pois eis que a Maria o olhou espantada e pediu que ele explicasse melhor que diabo era aquilo. Ele então falou, a contragosto e já meio que bufando de desejo, que “fizeram uma pracinha, no arraialito onde ele agora residia, que não tinha ruas em volta dela, uma pracinha que estava diretamente ligada às residências que a cercavam, e que os moradores se dividiram, uns contra e outros a favoire, e que por causa da pracinha saíram processos na Justiça e debates encarniçados no jornalito local que fez reportagem sobre a inovação, que quase saía porrada e que deu até censura a um certo moradoire tido como o encrenqueiro por não aderir ao cordão dos puxa-sacos” e tal. Enter final.
Maria explodiu em gargalhadas, e nada a fazia parar, e mais ria ainda ao ver o Manoel e seu bigodão enfeitando a cara chapada de estupefação, e mais ainda ao constatar que fora-se a excitação do parceiro, cujo membro caíra em disfunção erétil, encolhidito, e assim se encerrou a pesquisa do tipo ibope brasileiro que nosso Manoel foi fazer em Portugal. Voltou pro arraialito, e lá estavam a praça e a pendenga, e ele soube que o tal moradoire encrenqueiro jogou em protesto óleo queimado nos bancos da praça, e que nova polêmica acirrada rolava no jornalito local. Manoel ainda se perguntava por que seus patrícios riam tanto e por que o assunto tinha virado, na Santa Terrinha de Portugal, uma nova e palpitante... piada de brasileiro. E viva Santo Expedito! Oremos. ’Bye, babes!
* - Leia em sotaque lusitano, para melhor compreensão e efeito