quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Das dúvidas de um lusitano na Pindorama

Frederico Mendonça de Oliveira

Manoel, nosso herói, teve sua juventude marcada pelos progressos admiráveis desta colônia, progressos e conquistas que ressoavam na Santa Terrinha, e ele quedava muito admirado com ver que, mesmo tendo eles o heróico Euzébio jogando pela camisa da seleção portuguesa, o Brasil apresentava outros nomes grandiosos para o futebol, destacando-se a figura do “rei” Pelé, que todos os humanos mentalmente sãos concordam quanto a ser o maior de todos os tempos. Pois naquele mesmo glorioso ano de 1958, tinha Manoel 13 anos e começou a ouvir em rádios de Lisboa uma nova forma de samba muito sofisticada e saborosa, que os brasileiros chamavam de Bossa Nova. Manoel se encantou especialmente com A Felicidade, abismado com os versos de Vinícius de Moraes – lá com respeito a poesia, os portugueses estão muito à vontade, com Camões e Fernando Pessoa como referências –, notadamente aqueles versos: “A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor/ brilha tranqüila, depois, de leve, oscila/ e cai como uma lágrima de amor”. “Que deslumbramento, ó pá!!!”, exclamava Manoel para seus patrícios também abestalhados com tanta beleza. “E pensar que foram nossos antepassados que despertaram essa terra com essa gente tão sensacional!!!”, diziam todos, e lá ia mais uma golada de um Dão, de um Porca de Mursa, de um Casal Garcia... com sardinha e tremoços, que ninguém é de ferro também naquela península cheia de encantos. Enter.
Pois a era da canção chamada MPB sucedeu a Bossa Nova, e nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Ivan Lins e outros produziram uma safra de canções tão admirável que Manoel resolveu vir vivenciar isso in loco, especialmente porque estava muito admirado com o fato de os cantores/compositores/intérpretes brasileiros terem derrubado a ditadura militar, concomitantemente ao surgimento em Portugal do Socialismo da Rosa, com Mário Soares assim assim com os heróis brasileiros da canção. E lá veio Manoel, enquanto a classe média em Portugal se entregava às telenovelas da Globo, o que lhe deu mais alento ainda para sair da terrinha. “Que nós copiemos o que os brasileiros fazem de bom, isso é positivo”, dizia ele; “Mas assim é demais: copiar esse hábito estúpido de entregar nossos cérebros a um aparelho que emite imagens, isso é coisa de silvícolas admirados com espelhinhos!”, resmungava Manoel, já muito bem inteirado das fraquezas de nossos aborígenes, por estudar isso em currículo no curso secundário em Lisboa. Pousou aqui, no Galeão, o guapo Manoel de Oliveira, veio de Boeing 707 da TAP. No cardápio de bordo, ironicamente, arroz de lulas. Enter.
Chegando ao Rio, passeando pela Cinelândia, foi logo assaltado e lhe levaram relógio, dinheiro, passaporte, e ainda deram no nobre alfacinha uns bofetes pesados. O Brasil visto de além-mar, como nosso herói percebeu em curto prazo, nada tinha a ver com a verdade vivida aqui, no seio da guerra civil absurda. Foi a primeira dúvida de Manoel: “Ora, pois! Se existe uma guerra, ela deve ser declarada, e devemos saber quem está de cada lado. Pois no Brasil a coisa é diversa: de um lado, o morro; de outro, a cidade e o poder constituído; o morro não quer tomar a cidade, e a cidade e o poder não querem tomar o morro. Vivem aos tiros e a se matar e ninguém tem objetivo, ó pá??? Estarão malucos ou serão todos uns burros orelhudos??”. E assim se desmontou em Manoel a ilusão que fazem lá fora de um Brasil avançado socialmente, com poetas, artistas militantes derrubando a ditadura militar, ou seja, “flores vencendo canhões”, como disse o cantor Vandré, que depois se assumiu maluco mesmo, e se uniu às Forças Armadas repressoras, até compondo a música “Fabiana” em homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira). E assim foi Manoel compreendendo que viver no Rio era perigoso. Mudou-se para as montanhas do Sul de Minas, onde tinha família uma brasileirota com quem se amancebara. E instalou-se na casita ao lado da área onde resolveram fazer, da noite para o dia, uma praça ilegal... Enter final.
Manoel hoje vive o dilema drummondiano: “No elevador, penso na roça/ na roça, penso no elevador”, disse o mestre. Manoel agora vive a contradição: estando no Brasil, está em Portugal; estando em Portugal, tem que estar no Brasil. E enquanto sofre esta dicotomia conflitante, os cães da vizinhança ladram, ladram, ladram, porque os brasileiros, paranóicos e ignorantizados pela TV, querem cães apenas para tê-los, não para conviver com eles. Manoel começa a pensar que os brasileiros descobriram a burrice e a alimentam com estranho prazer. “E os portugueses é que são burros??” E viva Santo Expedito. Oremos. Té mais, babes!