sexta-feira, 21 de maio de 2010

Manoel e a civilização terminal

Frederico Mendonça de Oliveira

“Falar sobre crianças sempre foi algo em que a crítica não cabe nem de todo nem de pouco: a tendência é ver os infantes pelo aspecto da esperança, de considerá-los como um bem que Deus nos deu para selar a concretização do futuro... sempre foi assim, pelo menos foi o que sempre vi, ó Maria. Mas parece que estamos inaugurando outra era: os seres lúcidos não podem mais se permitir essa visão idealista que mostra a criança como o agente do porvir melhorado. Sermos de alguma forma vítimas de enganação é uma coisa; enganarmo-nos a nós mesmos é muito diferente!”, conjetura Manoel contemplando a figura helênica, ereta, luminosa mesmo, de sua amada. É que as experiências dos últimos anos feriram profundamente a fé de nosso herói, tamanha a monstruosidade que explodiu bem em suas ventas. Desçamos aos tortuosos e asquerosos meandros em que foi jogado este lusitano que adotou o Brasil como pátria e que hoje se vê abalado por tanta constatação de degenerescência em tudo, tudo, TUDO nesta Pindorama hoje terminal, assolada por um câncer que se agrava a cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo! Enter.
“Impossível não vergar sob uma nostalgia que em certos momentos chega ao âmbito do atroz!”, revela Manoel um tanto emocionado, enquanto a linda Maria prepara alimentos para os gatos, entretida no que faz e ao mesmo tempo atenta em tudo para com seu marido apaixonado. “Como imaginar que poetas tenham sido varridos das mentes e da cultura de um povo para serem criminosa e sordidamente substituídos por seres míseros, bugres cínicos, menestréis da merda e portadores de cloacas sonoras que emitem ganidos lancinantes? Ainda há pouco eu me lembrava da beleza dos poetas portugueses, dos brasileiros, de toda essa beleza que se acumulou ao longo dos séculos e que hoje é preterida monstruosamente em benefício de uma corja de oligóides – nada contra os oligóides: só que estes estão no galho errado! – a quem foi entregue o pódio da canção brasileira há tão pouco tempo ocupada por Tom Jobim! A canção, ó Maria, é a prostituta da música, porque é a que mais facilmente se vende, a que naturalmente tende a se vender! E veja o que se apresenta hoje como canção brasileira – os salteadores do poder no Brasil chamam canção de música, os crápulas –, uma deformidade primária só, parecem crias de pais irmãos, parecem frutos de coito incestuoso, essas formas míseras vomitadas por tipos que apresentam mentalidade no nível de frangos de granja!”, metralha nosso herói para sua Maria, que o ouve assimilando a indignação que ele deixa explodir, e ambos compreendem que, aprisionada essa indignação, infarto e derrame são quase que inevitáveis. “Lembras-te, ó Maria, daquele primeiro 'sucesso' da repulsiva dupla Leandro e Leonardo, dois bugraços musicalmente desprezíveis, rasteiros, e que falava em ‘pegar um avião para a felicidade’, metáfora no patamar da miséria intelectual, compatível com o asco daqueles bigodes maranhenses que então ocupavam a cadeira da mais alta magistratura na Pindorama?”, considera Manoel para se liberar do engulho que o assalta ao contemplar essa regressão maligna que assola todos os brasileiros, saibam disso ou não. Enter.
“Pois hoje vejo crianças e o que me acomete é temor, é desprezo, é desencanto! Não pelos infantes em si, uns joguetes nas mãos dos pais e do Sistema em crime, mas pelo que já fazem deles, pobres diabos em plena deformação, projetos de otários, de corruptos ou de craqueiros!”. E Manoel pensa em António Nobre, poeta que tinha fixação com a morte e que criou estes lindos versos: “Em tudo via a Velha/ Em tudo via a Morte/ um berço que dormia/ era um caixão pra cova/ via a foice no céu/ quando era lua nova”. “Vendo esses pequenos de hoje, ó Maria, não consigo ver senão o que estão fazendo deles e imagino o que os espera: Sistema em crime, eles integrados nisso; corrupção generalizada, eles integrando isso desde meninos; pais negando a si mesmos e ausentes, amebóides, e eles sob essa influência desde que retirados dos úteros das que os gestaram depois de um coito apenas para descarga de tensão fisiológica; degenerescência solta, eles navegando alegres nessa maré! Que se pode esperar desses infelizes?? Poderemos nos enganar diante de uma cena social tão nítida, poderemos ver céu azul e aberto quando estamos sob tenebrosas e ameaçadoras nuvens negras? Pois lamento, ó Maria: o futuro que espera esses pobres é mais cruel do que essa realidade que hoje vivem, mergulhados no cinismo, hipócritas já assumidos, pobres diabos sem caráter desde que começaram a lidar com esta vida. Os traficantes de amanhã sabem que terão clientela maciça e ávida, porque a droga será o sucedâneo terrível do vácuo maligno que muitos, muitos sofrerão como consequência de terem sido até levados ao crime e à corrupção pelas mãos dos próprios pais e das ‘autoridades’, que hoje não são senão lacaios sem pátria, gerenciadores da miséria imposta ao País pelos Conquistadores do Mundo!". Enter.
Vemos os comentários de nosso herói e consideramos o dia a dia: lamentavelmente, temos de encartar a visão crítica desse grande coração sofrido, e não podemos deixar de considerar que hoje temos algo muito pior que a era Xuxa; agora, a deformidade é diretamente induzida pelos próprios pais, que se refugiaram na estupidez assumida e consentida e que na verdade não passam de público estatelado diante de Big Brothers, Sílvios Santos, Gugus e monstruosidades outras; e são tantas!, são incontáveis, a cada dia são mais numerosas e mais massacrantes! Manoel enxerga o que está diante de todos e que todos se negam a ver: a desgraça futura está estampada nas crianças de hoje, seres completamente sem pais, sem pátria, sem parâmetros, sem qualquer capacidade para discernir valores; prisioneiros, desde o nascimento, de um esquema que faz deles zumbis, cínicos, calhordas, hipócritas, fúteis, vazios, imediatistas e completamente reféns de desejos. Que poderemos esperar de uma conjuntura dessas? Enter final.
“É a derrocada fragorosa da Civilização. Quem semeia ventos... mas os cegos não farejam a miséria que plantam e não estão preocupados com o que retornará disso, implacavelmente. Deus não falha, ó Maria, e o cataclismo se aproxima. Uma anti-estética vai esmagando a realidade, e isso é o trovão que anuncia a chegada da tormenta devastadora. Seremos todos envolvidos nesse horror, e não poderá ninguém condenar a ação de ninguém: cabe apenas a Deus e seus auxiliares celestes aplicar as devidas penas aos que estão em débito. Não se pode esperar, outrossim, como disse o Cristo, que árvores más dêem bons frutos, nem que mau plantio dê boa colheita. Colheremos o que plantamos, e se nossos irmãos se desencaminham como vemos, não seremos nós os que os julgarão. Não tentamos impedi-los de se destruir e de destruir o mundo, porque nada os demove. São zumbis andróides conduzindo sua própria desventura e promovendo a destruição geral, a começar por destruir seus próprios filhos!”. E Manoel contempla a pracita hetera, cheia de infantes deformados pelos próprios pais e observa a cara de paisagem cínica dos que puseram seus infelizes desde cedo para coonestar corrupção. E pede a Deus que ilumine esses seres desencaminhados, e que tenha dó dessas infelizes crianças. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!

Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, a restrição já vai totalizando 772 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 294 dias...