sexta-feira, 15 de março de 2013



Música e cultura

Frederico Mendonça de Oliveira

Você pode até não acreditar, mas a cultura no Brasil foi exterminada sob uma estratégia planejada por um esquema internacional, e isso foi posto em prática acionando-se um conjunto de fatores trabalhados ardilosa e criminosamente diante de nossas barbas – usando a canção. A destruição mesmo começou em 1965, ano fatídico em que entrou no ar a Rede Globo. Não estou difamando a Globo através do que tenho revelado sobre isso, apenas tenho cumprido o dever de alertar os alertáveis. A Globo encaminhou com absoluta firmeza o desmantelamento de nossa cultura desde 1965. Poucos pensam nisso, a maioria simplesmente ignora e despreza: o entretenimento é o caminho mais curto e fatal para o fim da identidade do homem. E a Globo impõe isso de forma arrasadora, e para tanto contribui simplesmente TODA a população brasileira, de forma inexplicável, como num suicídio coletivo. Digo Globo como diria TV aberta, o conjunto que ela lidera sem competidores. E, se houver competição, é algo nivelado sempre por baixo. Podemos dizer que TV que desvirtua é Globo. O resto imita, vai atrás, dá no mesmo. Mas, para dominar, é fundamental emburrecer, e isso começa oferecendo ao público o caminho mais fácil, e cada dia mais fácil ainda. Ninguém resiste ao ópio global, senão uma meia dúzia de apocalípticos... Enter.
Você está vendo: não se edita mais nada no Brasil. Só livros contingenciados. Quando a Globo entrou no ar, em 1965, tínhamos em franca atividade poetas magníficos: Carlos Drummond, João Cabral, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Mário Quintana e Cecília Meireles, que morreu em 1964 mas cuja obra ainda repercutiu como se ela estivesse viva. De prosadores tínhamos João Guimarães Rosa, Dalton Trevisan, Campos de Carvalho, Mário Palmério, José Cândido de Carvalho, Clarice Lispector, entre dezenas de mestres. Que país tinha tal seleção de homens de Letras? Na música perdêramos Villa Lobos em 1959, um ano depois da estréia da Bossa Nova. E estavam em plena atividade Tom Jobim, João Gilberto, Eumir Deodato, Luís Eça, Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Dori Caymmi, João Donato, Radamés Gnatalli, tínhamos instrumentistas acontecendo mundo a fora a dar com pau. Nossa pintura contava ainda com gente como Portinari, que morreu em 1962 mas cuja obra permaneceu vibrando até onde se pôde manter; tinha Di Cavalcanti, Djanira, Manabu Mabe, Ismael Nery, Ivan Serpa, Tomie Otake, Volpi, Guignard, Ligia Clark, Amilcar de Castro, nomes de uma imansa plêiade admirável de poetas da forma e da luz. E ainda tínhamos um cinema revelando gente como Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, ganhando prêmios nos mais importantes festivais de cinema do mundo. E o teatro ia também muito bem, obrigados. E junto com a Bossa Nova, em 1958, ganhamos a Copa do Mundo da Suécia. É mole? E isso tudo deu em quê? Hem?? Hem?? Enter.
Deu em Michel Teló, em Lek lek, em BBB, em Bonde do Tigrão, em É o Tchan, em louro josé, em Faustão, em Luciano Hulk, isso e tantas outras incontáveis manifestações regressivas, patogênicas ou simplesmente abomináveis de degenerescência da mente coletiva brasileira. Você pode achar tudo absolutamente normal, dizer que é isso mesmo a realidade, mas o diabo é que isso não é nada, é apenas um retrocesso imposto. E quem impõe isso tem um objetivo claro para si e oculto para nós, que mordemos a isca bestamente. Certo manual afirma que a maior arma para a ação dos que almejam o domínio sobre a Humanidade é a camuflagem. Uma célula cancerosa que se assemelhe às células normais é a pior ameaça ao corpo, simplesmente por não ser detectável. Os inimigos que estão entre nós são assim: parecem seres comuns e inofensivos, são aparentemente pacíficos, gentis, têm maneiras contidas... mas nos odeiam e querem nos submeter a qualquer custo pondo em prática um esquema político estupidificante e trabalhando ardentemente seu esquema de domínio total. Eles estão não só envolvidos em tudo: na verdade, ocupam simplesmente a quase totalidade dos postos chave no Brasil. E assim nossa cultura e nossa arte foram postergadas “dando lugar” ao que está aí. Conseguiram inclusive criar um neoboçal que é o padrão da “juventude” atual: tipos assemelhados a espantalhos são a imagem dominante entre adolescentes. O boné é o paradigma desses desmiolados. Quem usa boné desativa o cérebro e aciona o “submisso rebelde”, genial criação do inimigo dominador infiltrado, e esses objetos do sistema parece que negam qualquer autoridade e/ou hierarquia, posam de desobedientes sem causa, mas apenas se entregam a uma anarquia oca, inócua. Que tipo de fundo musical ou arte pode representar, expressar esse “conjunto social”? Rap, música de oligofrênicos, aquilo que os carros dos “desobedientes” passam tocando em volume ensurdecedor e que pretendem, como divertimento, disparar alarmes de outros carros com o deslocamento de ar que os graves produzem. Ou seja: coisa de mentes tacanhas, deformadas, condição que esses seres consideram sua real supremacia sobre o conjunto social que “integram”. Eles se acham acima do resto. Eis aí a grande contribuição do sistema através de quase meio século de emburrecimento. Essa juventude vai emular que tipo de avanço? Enter.
Tá bom. Que tipo de contribuição um tipo como Luciano Huck pode dar ao Brasil? Nenhuma, acredito: ele não vive no Brasil senão geograficamente. O mesmo podemos dizer sobre todos os famosos, essa récua de iletrados e descerebrados que vivem “acontecendo” em espaços escusos da mídia, espaços estes que ocupam a quase totalidade das primeiras páginas de publicações misturando alhos com bugalhos, de forma a fazer parecer que tudo é ocasional e passageiro, que não existe uma concretude no país, na comunidade, que não temos real liderança política, estabelecendo a “lei do vazio social”, a partir da qual o Brasil é apenas um lugar. Isso começou quando a Globo assumiu o comando das ‘”comunicações”, beneficiada pelo Império – o grupo Marinho tem vínculo direto com o grupo Time-Life, potência de imprensa com sede no Rockfeller Center, NY. O difícil é entender como uma emissora de TV ganhou, desde sua entrada no ar, o poder que ganhou. Estratégia de programação? Claro, seguramente. Melhor equipamento? Claro, sem dúvida. Melhor cast? Claro, e isso tem uma razão especial. E isso pede um enter. Enter.
É que a partir da prática já consagrada de telenovelas como O Direito de Nascer e seus resultados sobre a mente coletiva brasileira, e porque o teatro iria ter restrições de espaço maiores com a chegada da nova emissora, a telenovela passou a grande objetivo de horário nobre, tanto pela alienação que proporcionava em benefício do sossego do poder constituído, então já militarizado, como pelo incremento comercial que traria retorno pesado, enchendo as burras da empresa... e eis diante do Brasil um novo aparelho montado para trabalhar pelo fim definitivo da identidade nacional. Com a adesão do público televisivo, todos caindo nos braços da nova paixão, o brasileiro perdeu sua identidade e se desfiliou de sua relação com a pátria. O que é pátria hoje? Essa “juventude” de boné saberá dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa? Você mesmo, que pode ter uma formação melhor um pouco, talvez hesite caso lhe perguntem como você entende o Brasil e o que é pátria... simplesmente porque são valores COMPLETAMENTE VARRIDOS DE NOSSAS VIDAS, para que fiquem em cena diariamente mastodontes mentais com sorrisos perfeitos e mentes vazias, sem contar que os espíritos que os habitam possam ser os de salteadores ou cafres de outrora. E se a pátria não existe no íntimo dos brasileiros, ela não existe como fato. A pátria é um sentimento somado. E a macacada que pisa o solo brasileiro hoje, que nem brasileiro mais vem a ser, tal a descaracterização de todos os nossos conteúdos e instituições, não tem idéia de mais nada a não ser de saciar desejos imediatos, ter e consumir. Consumir, inclusive, e crescentemente, drogas, vide o crescimento do consumo de crack. A desgraça é tal que possibilitou que uma quadrilha de bandidos esteja no comando do que se chamou de país e hoje é apenas lugar amaldiçoado. Pois quer saber de uma coisa que escapa a simplesmente todo mundo? Prossiga lendo. Enter final.
A música, reduzida às mais regressivas e patogênicas formas, é um sintoma de nosso fim, do fim do caminho que percorríamos com esperança de chegar a melhores condições como país e como comunidade humana. Um país que cultua o que há de mais abjeto, hediondo e desgraçante sonoramente não pode encontrar nada para seu destino que não o inferno social. Vemos crescer assustadoramente o número de veículos propagando som em alturas infernais, e o que toca nesses vetores do mal? Claro, não seria Villa Lobos ou Tom Jobim... Toca o que há de mais bastardo e miserável, sonoridades demoníacas em volume ensurdecedor. Esses energúmenos trafegam emitindo essa monstruosidade como quem espalha o câncer com prazer. Eles se odeiam, odeiam o mundo, mas não entendem isso direito. Então só fazem retransmitir sua miséria íntima de forma a fazer com que pareça ao mundo que existem, porque eles mesmos se impõem esse horror sonoro como que para se convencerem de estar vivos e de propalar isso. Mas está aí a metáfora do horror: isso rima com a corrupção desenfreada que nos devasta. Se você puser Mozart no som do carro e sair tocando isso por aí é capaz de sofrer até apedrejamento. É como disse Kon Fu Tsé, vulgarmente conhecido aqui pela alcunha de Confúcio: Se deseja saber se o governo de um país é bom, verifique a música desse país e terá a resposta. Já fomos o país de VillaLobos e Tom Jobim. Hoje, somos do Teló. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!