sexta-feira, 18 de julho de 2008

Uma visita ao inferno – e adeus, música!

Frederico Mendonça de Oliveira

É digamos lancinante a visão dos contrastes humanos e sociais enfrentada na grande cidade paulistana. Muito “bonito” mas na verdade amedrontador o fluxo dos veículos, uma torrente avassaladora e já verificadamente irreversível, o que por si só nos faz começar a dar adeus a nós mesmos e a qualquer possibilidade de ver sarar essa coisa em que estamos metidos. Ou em que nos meteram. São Paulo continua a mesma, sim, mas algo instila em tudo um futunzinho de carniça. E o ar está visivelmente tendendo ao opaco, como se ele nos questionasse sobre se é isso mesmo o que nós queremos, se é isso mesmo que continuaremos a engendrar, a praticar ou a admitir. Enter.
Uma impressão nítida colhida nas ruas é a bovinidade – passividade seria gentil demais, até injusto – com que os seres suportam e na verdade até apóiam o massacre a eles imposto. A ruína é visível nos rostos, nos corpos, nas roupas, nas calçadas, nas paredes, na quinquilharia que entope as calçadas: a horrenda exclusão teima em ombrear com o patamar do que seria a normalidade social, a paisagem urbana real é no mínimo obscena, realmente tétrica, atroz. Pensando bem, é claramente infernal. E tudo parece tomado, tisnado de uma imundície irreversível. O mundo está ali, aquilo é o mundo, ou uma clivagem dele, e parece que nada mais poderemos fazer: basta-nos ter forças para prosseguir. Não sabemos é para onde isso nos leva, embora saibamos que não será para qualquer tipo de éden. É Deus o autor disso? Zola já sabia de tudo... Enter.
Mas falemos de algo concreto. O pianista Osmar Barutti, que todos conhecem – ele integra o sexteto de acompanhamento do Jô –, me revelou uma nova expressão para denotar a condição de párias a que os músicos foram rebaixados. No passado, ganhávamos cachês, naqueles tempos anteriores aos 20 anos em que a ditadura e a emepebê nos atingiram as vidas e as profissões ou carreiras. Depois, veio o tempo do “couvert artísitico”, isso desde o início dos anos 80. Esse couvert dava boa paga ao músico, mas os demônios ávidos e sem entranhas logo abocanharam o dinheiro de nosso suor, e esmagaram a paga, passando as garras imundas em grande parte dessa arrecadação. Hoje, segundo revelou Osmar, não recebemos mais couvert, mas “o que houver”, e os bandidos que exploram a noite são absolutos, e nós que nos fodamos e enfiemos nosso instrumento no rabo, se não gostarmos da “realidade”. E o pior é que ninguém toca flautim na noite, porque doeria bem menos que um saxofone ou uma guitarra, que dirá um piano... Mas prosseguiremos tocando, lembrando o calvário do Cristo, e que Deus cuide dos salteadores do dinheiro alheio. É de vomitar... Enter final.
Liguei para a companhia de ônibus para saber de horários, e a criatura que me atendeu exigiu saber meu nome. Pra quê? Respondi que era João Guimarães Rosa, ao que ela falou: “Pois não, senhor Rosa, aguarde” e me passou para outra alimária, e fiquei mal informado e mal resolvido. E elas? Pois no balcão de atendimento de um puteiro capitalista cinco estrelas (hotel) onde fui encontrar minha caríssima eis que consegui ser atendido por uma sirigaita solerte, que me ordenou identificar-me para passar a ligação. Disse-lhe que era “Euclides da Cunha”. Feita a ligação para a suíte, simplesmente me passou o fone. Não aceitei: se ela me exigiu o nome, que o passasse. Atônita, ela transmitiu ser o “senhor Euclides”. Minha caríssima entendeu, e logo saiu do elevador com um largo sorriso prenhe. Ìamos encontrar o Osmar, e sugeri que esperássemos na rua imunda, bem mais aprazível que aquela espelunca burguesa sórdida e cínica. Logo estávamos entre miseráveis camelõs. Bem mais respirável... e a noite nos tragou para um encontro com o querido Osmar, que também não é deste mundo. E viva Santo Expedito! Oremos. Té mais, babes.