sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Manoel se despede do arraial e do Brasil

Frederico Mendonça de Oliveira

“Raios partam essa gente sem caráter, sem cultura e sem senso de civilização! Jumentos! Autoridades todas envolvidas com maracutaias! Povo sem o mínimo juízo e sem qualquer responsabilidade! Todos de rabo na poltrona assistindo novela e BBB! Isso não é gente! Isso é gado tangido pela mídia do Império! Raios os partam, autoridades e zé povinho sem qualquer essência!”: assim Manoel considera a possibilidade, já quase transformada em decisão, de deixar o arraialito, o Brasil “e seu povinho sem qualquer possibilidade de praticar a cidadania e a civilização. Gente não é isso! Não passam de réplicas de seres humanos, são bonecos se conduzindo como caititus, bonecos já a essa altura sem cérebro, sem espírito, apenas cobertos de panos ridículos, parecem espantalhos se movendo como andróides, uma lástima!”. Percorrendo a casa em que teve a felicidade imensa de considerar ser seu lar para sempre, até sua morte, Manoel se vê derramando uma furtiva lágrima, quando contempla sua linda sala tão simples e tão artística, à meia-luz, com aquele clima tão suave, espaço onde seus gatos descansam dormindo durante o dia nos sofás e as plantas vicejam sem demandarem muito cuidado, simplesmente porque gostam do lugar. Enter.
Pois um dia aparece uma autoridade com feição de esplancnocrânio, uma queixada obscena, um andar meio capenga, e destrói o espaço que jamais dera aborrecimento nenhum a ninguém, apenas trabalho gostoso de cuidar do espaço... “Demônio!” A partir disso, a xavantada ansiosa por bajular poderosos se instalou no espaço para passear sua obtusidade córnea e sua má fé cínica, os intelijumentos de cérebro de frango de granja! E lá se foi o sossego do bairro, mas não só o sossego em termos de barulho praticado pelos bugres vestidos de gente e seus rebentos estúpidos e ruidosos como bestinhas histéricas: lá se foi também o sossego de se saber que está funcionando a lei e a ordem, que todos podem confiar nas instituições! Agora temos de dormir com o barulho da transgressão em si, o desaforo, o crime de prevaricação, o completo desrespeito pelos preceitos legais! “Será que o cérebro dos brasileiros está se transformando em merda?”, pergunta-se Manoel acabrunhado e puto da vida por ter de lidar com um barulho desses! “Que promiscuidade porca, puta merda! Como se pode viver entre seres animalescos, bestiais, cínicos, falsos, corruptos todos??”, e lá vai Manoel pegar uma loura pra desatar os nós que lhe envolvem e apertam o coração lusitano como abraço mortal de cobra constritora! Enter.
Mesmo que alguma coisa seja feita no arraial, o que ninguém mais em sã consciência divisa, será apenas um remédio que na verdade não passará de remérdio.Porque o estrago já está feito! A vítima da obra criminosa que tomou providências em busca de seus direitos verificou que o câncer domina TODA A ESTRUTURA DE PODER, e que os criminosos se protegem uns aos outros, acobertando as canalhices uns dos outros, e as instâncias de poder que deveriam regular a atividade dos profissionais de menor escalão estão também tomadas por criminosos, são apenas categorias mais elevadas em termos de poder e de salário, mas não executam a fiscalização e a punição de transgressores como esse monstro que criou a deformidade. O Brasil virou um penico cheio até a borda, e a macacada brasilis chafurda nele de braçada, achando lindo isso. “Raios os partam! Vão para o diabo!!” Enter final.
“Se gritar ‘pega ladrão!’/ não fica um, meu irmão!”, eis o samba do início da década de 70 que sacudiu o Brasil logo quando Manoel assentava seus alicerces nesta terra hoje transformada em hospício e penitenciária, terra sacudida pela mais horrenda e bestial guerra civil, ganhando em termos de até de Israel massacrando na Palestina. Os requintes do crime no Rio de Janeiro são de fazer pensar em Castro Alves: “Senhor Deus dos desgraçados/ dizei a nós, senhor Deus/ se é verdade ou é mentira/ tanto horror perante os céus!”, poetava o baiano das arábias em relação ao que se fazia com os negros naqueles tempos de escravatura. Pois hoje o cenário é de fazer as indignadas palavras deste poema parecerem canção de ninar! Então Manoel sente que se partiu dentro dele um encanto, que não será mais suportável essa realidade canalha que avança em quantidade e gravidade no Brasil. “Terá sido para isso que Cabral e sua turma enfrentaram o Oceano Atlântico em 1500??”, pensa Manoel com o espírito sombrio. “É, parece que tudo se acabou!...”, e uma espécie de peso se abate sobre nosso herói. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!