sexta-feira, 30 de maio de 2008

“Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”

Frederico Mendonça de Oliveira

Assim falava minha avó portuguesa, mulher rigorosa e mesmo irredutível, para chamar a atenção da turma para a torpeza do culto às aparências acobertando uma interioridade vazia ou, pior, uma realidade pessoal deformada pelo vício de qualquer natureza. Era católica, mas não praticante: não só lançava um olhar aquilino ao cotidiano do meio paroquial, cheio de intrigas e fatos impublicáveis, como enxergava com afiado desdém a hipocrisia das papa-hóstia e ratas de sacristia, tanto quanto lia como num livro aberto a verdade escondida sob as saias que acendiam uma vela a Deus sendo praticantes e até carolas mas que fora da igreja não dispensavam uma alcova ilícita. Pois minha avó não suportaria os dias de hoje, porque sua formação rígida nos ditames portugueses e fundamentada em ditados populares de cunho filosófico, mesmo sendo ela ignorante porque de origem humilde, não poderia conviver com a degradação explícita, assumida e miseravelmente promovida por um sistema prostituidor em todos os âmbitos possíveis. Então, os elogios a pessoas de aparência ou reputação de grandeza não a moviam, e cuidadas ou exuberantes aparências não escapavam a seu olhar penetrante e crítico: os pavões e pavoas lhe aguçavam a percepção até olfativa, e seu faro, como o dom de Éaco e Radamanto, decifrava os pães bolorentos ocultos nas belas violas que a quase todos encantavam e fascinavam, fosse ao vivo e a cores no convívio diário, fosse constatando o que aparecia agigantado pela mídia dos magazines difundindo caganifâncias emplumadas. Enter.
Nestes dias de miséria moral e corrupção instituída, dias de Galisteus e Cicarellis, de Lulas e FHCs, de Renans e Nicolalaus da vida, falar de ética é parecido com – ou mesmo igual a – pregar no deserto ou falar do Cristo dentro do prostíbulo – embora nos prostíbulos possamos encontrar mais permeabilidade à palavra do Salvador que nos meios do poder oficial constituído. As Marias Madalenas da vida são incomparavelmente mais sensíveis a um aceno dEle em meio à degradação e para a uma real conversão do que os engravatados aboletados em altos cargos, tanto mais poderosos quanto praticantes de um misto desprezível de pompa e despudor. Minha avó não foi feliz, mas não desceu jamais degraus quaisquer em direção à realização baseada na elasticidade moral. Não buscou na realização material qualquer satisfação pessoal: era espartana e religiosa para com seus deveres. Via a matéria com desinteresse, porque era moldada para simplesmente ser, e ter, para ela, era unicamente uma questão de suficiência. Era como aquela canção portuguesa: “Para que tanta ambição tanta vaidade/ procurar uma estrela perdida/ se as coisas que nos dão felicidade/ são as coisas mais simples da vida”. E assim ela viveu e morreu. Enter.
O Cristo se refere ao “sepulcro caiado” em Mateus 23/27: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!, pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia”. Assim é em geral o brasileiro hoje, cinicamente converso ao jugo global e voltado para o universo das aparências, esquecendo de ser para unicamente ter e apoiado nisso como sendo a “filosofia de vida” em vigor! Quanta boçalidade imposta, quanta boçalidade assimilada e aceita! Quanta desfaçatez associada a degradação moral! Quanta permissão para com a deformidade e a corrupção, quanta resistência ao plano ético e ao princípio da retidão moral! Quanta aquiescência para com toda sorte de desvios! Quantos seres perdidos em si mesmos jogando sujamente por considerar, sem pejo qualquer, que estas são as regras! Quantos milhões e milhões de integrados virando as costas para o apocalipse que com sua amoralidade engendram como que semeando tsunamis que, inevitavelmente, virão, para repor o equilíbrio perdido!! Quanta miséria no texto e subtexto da exposição midiática do dia a dia! Enter.
Pois é: o cidadão comum hoje, não só o brasileiro esmerdeado de cima embaixo em todos os sentidos, mas o ser humano globalizado mundo afora, é um pária assumido e basicamente um deficiente por escolha: são todos absolutamente incapazes de desligar a TV! Não podem viver, não podem respirar, não podem dormir, não podem absolutamente nada sem a TV ligada! São objetos vestidos do sistema! Tal deformidade social não pode desaguar senão em catástrofe de âmbito mundial! Aliás, só o fato de o homem estar submetido a esse instrumento de dissolução de identidade e costumes já é a catástrofe em si instalada, apenas ainda sem estrondo! Pela relação espúria do homem com a TV – e com a mídia em geral – corre toda sorte de transgressões e ilícitos! Mas a turma quer mais, quer instintivamente, como o criminoso, que seu crime seja descoberto e quer ser castigado pela lei!... E, como disse através de Hollywood George Stevens, “Assim Caminha a Humanidade”! Pra quem gosta, claro. Enter final.
O leitor de Veja vai me tachar de caga-regras, claro. Ele não vive sem TV, o infeliz, o amputado de sua própria mente. Ser leitor de Veja em si já é uma assunção da negação de seu próprio pensar. Os macacos vestidos e sem rabo não lerão essa fala, óbvio: a novelaiada global lhes é conveniente, confortável: preferem morrer em vida que viver conscientes e pagar o preço dessa consciência. Na verdade, querem é trabalhar para satisfazer ambições materiais, querem é pular quando podem, sentar o toba no sofá diante da TV e fazer tudo como manda o figurino da globalização. Eles formam a argamassa do alicerce da recolonização do Brasil agonizante, da tomada da Amazônia, da manutenção da corrupção como sistema de governo, da transformação do país na pústula inamovível em que pululam como helmintos. Sem saber, são inimigos da vida. Deus não tem alternativa para com eles. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!