quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Desventuras de um lusitano nas montanhas de Minas

Frederico Mendonça de Oliveira

Premido por circunstâncias negativas diversas no arraialito onde se acoitou há 24 anos fugindo das maluquices do Rio, Manoel se decidiu pela radicalização. Consciente do colapso da civilização em todos os sentidos – colapso de significados, de instituições, de condições positivas de vida do homem em harmonia com a Natureza, colapso de sentimentos, de tudo” –, Manoel começa a ver no total desprezo à matéria e ao “convívio social” a única saída para estar vivo neste mundo. A ação dos globalizadores corrompeu as almas dos seres humanos comuns, depois de corromper os Estados através do golpe de misericórdia dos Aliados ao fim da II Guerra, depois vindo Coréia, Vietnam, agora Oriente Médio – Afeganistão e Iraque, sem contar o horror da ação de Israel sobre os palestinos –, e não há qualquer perspectiva de reversão desse quadro. Some-se a isso a ação fatal dos meios de comunicação, câncer que começou com Hollywood operando contra a tradição católica ocidental e se aprofundou quando do advento da TV, que penetrou nos lares para estupidificar os seres e desagregar as famílias praticando acintosa intervenção intradoméstica. Enter.
O quadro é devastador, e Manoel ouve a todo momento o cricrilar espantoso dos Gryllus Assimilis, no Brasil chamados simplesmente de grilos, onde quer que esteja, onde quer que vá. Nas ruas, seres transformados em objetos deambulam flatulentos e paquidérmicos entupindo lojas e calçadas, impedindo o simples deslocar-se de seres conscientes, que ocorrem no cenário urbano em proporção de um para cada dez mil bugres vestidos. Ou macacos sem rabo, como quiser, amigo. Se se pega o telefone para ligar para alguém, o maldito intermediário nos submete a um interrogatório normalmente sórdido, não permitindo a ele escapar de uma sabatina safada tanto quanto absolutamente desnecessária. Entra-se numa loja e lá vem a sirigaita ou o bibazito – e isso ocorre do Oiapoque ao Chuí – arremetendo contra o possível otário para obrigá-lo a desembolsar, perguntando estupidamente: “Posso ajudar em alguma coisa?”, e Manoel por dentro se contorce de desconforto, e grita consigo: “Cínicos! Esses brasileiros não passam de uns cínicos!!!”. Não se pode mais entrar numa porra de loja pra olhar alguma besteira, para ter o prazer de encontrar algo interessante – ou não: muitas vezes entramos numa loja para NÃO COMPRAR, para unicamente ver, com isso buscando apenas uma rápida distração, às vezes para escapar a um congestionamento de bestas palradeiras que obstruem as calçadas. Enter.
Dirigir nas ruas do arraialito, nem pensar. Manoel se desfez de seu Dodge Polara de estimação porque o desgosto de dirigir entre bugres o estava estressando a ponto de perder o sono e tender a beber mais que o natural. Manoel não entende por que, para dobrar uma esquina, os motoristas destas montanhas ficam a 45 graus parados na esquina olhando para um lado e para outro. “NÃO VEM NINGUÉM, PORRA!!, pra que parar dessa maneira, ó pá??? Como é que tu tiraste a carteira, alimária???”. A dificuldade que os arraialeiros de ordinário encontram para conseguir tomar a iniciativa de dobrar uma esquina é semelhante a eles cagarem um velocípede daqueles antigos, de lata – não os rechonchudos velotróis de hoje. O mesmo se dá quando em um cruzamento: se tem placa de Pare, os arraialeiros não param; se não tem, param. O que são os brasileiros? Malucos emburrecidos ou burros amalucados? Lembrando Graciliano Ramos, escritor brasileiro que Manoel leu em Coimbra na juventude – e que os brasileiros de hoje desconhecem!... – na página 51 de Angústia, onde se lê “Que sujeito burro! Puta que o pariu!”, Manoel converte em literatura sua estupefação diante do caos em que se vê metido. Enter.
Certo de que dirigir não dá mais, Manoel se decide por comprar um... burro. Sim: um BURRO. E já sabe o nome que dará ao orelhudo asinino: Excelência. Isto porque o poder no Brasil chegou à dimensão de ter um ser de mentalidade de verdureiro na presidência da República e um bando de quadrupedâncias solertes ocupando toda a esfera de poder – salvo as exceções de praxe, óbvio. “Como pode um país fazer qualquer sentido se conduzido para o abismo por tamanha malta de néscios e velhacos??”, questiona Manoel engasgando com o gole de cerveja. Então, que venha Excelência, uma boa companhia – os arraialeiros e mesmo os locutores de rádio e TV dizem “compania”, os toupeiras –, se considerado o fato de os brasileiros estarem se impondo descer à condição de burros mas conseguindo ser em tudo burros no mau sentido. Pelo menos Excelência não dirá nem fará asneiras, não perguntará se pode ajudar em alguma coisa, não ficará bostejando cretinices no passeio com outros muares obstando o ir e vir de outrem, não dirigirá como um bruaqueiro maratimba, não ficará abestalhado diante da TV assistindo a novelas porcas ou a Sílvio Santos cantando “A pipa do vovô não sobe mais”, canção miserável que o apresentador de merdas fez para um carnaval aí. Enter final.
Então Manoel vai comprar tudo: arreio, baixeiro, freio, cabresto, peitoral, rabicho, e vai alugar um terreno perto de sua casa – tem um quase em frente, cheio de capim – para arranchar Excelência. Melhor ainda: Manoel não terá de pagar IPVA, não gastará combustível, não terá problemas com a manutenção de seu veículo. E andará em alto estilo pelas ruas do arraial, na verdade feitas para quadrúpedes. E pela primeira vez em anos Manoel sente que algo faz sentido em sua vida. A pracita será demolida, mas um burro agora vem a calhar. Excelência lhe fará boa companhia, lhe trará sentido para esta vida entre decadentes assumidos. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!