quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Manoel e o Ano Novo cheirando a mau desfecho

Frederico Mendonça de Oliveira

Curioso isso, mas o amigo de Manoel anda sentindo um cheiro de ciprestes, ou “a cipreste”, como se diz na Santa Terrinha. É que, por ser um cara consciente e por ter muita experiência em enredos – o cara é da Literatura, da Cultura, da Filosofia, da História e por aí envereda direto – ele anda ressabiado com o enredo mórbido que se formou em torno dele. Mesmo cercado de seres que ele sempre soube serem muito simples, ele não conhecia uma reação em cadeia de tamanha ferocidade e malignidade por parte de seres vestidos e chamados de humanos. Sim, ele tem a grande experiência da maldade humana através do que leu e a que assistiu em cinema e teatro, mas na vida real é outra coisa. E, pior, sendo iniciando em conhecimentos especiais, anda encafifado com o fato de ter feito a revisão e reescrita de seu livro sobre a horrenda história do pianista Tenório Jr., e agora lhe assombra, dado o ódio verdadeiramente selvagem que a vizinhança lhe anda movendo, que acha que seu destino está por um fio, e pode ir pelo mesmo caminho. Enter.
“E o pior é que o cara está com 64 e padecendo de uma severa catarata, e vive sob a perseguição perversa e até bárbara da aliança em torno do crime na pracita”, considera Manoel sentindo um estranho frio na espinha. A história do pianista desaparecido todos sabem: saiu para fazer uma temporada com a dupla Toquinho e Vinícius – “Coitado do rapaz!”, pensa Manoel: “ter de acompanhar aqueles sambetes míseros e populistas, e ainda cair na ratoeira em que caiu!” – e acabou preso por maluquice dos militares argentinos em ação de rua, preso sem haver qualquer motivo, e caiu nos porões da tortura, nas mãos de oficiais brasileiros do SNI operando no Cone Sul na tal imunda Operação Condor, ainda tendo seu destino decidido por um ministro-conselheiro do Itamaraty, que sabia perfeitamente não ser ele senão um músico inofensivo!! Enter.
E considerando a dimensão do ódio que os aldeães lhe devotam simplesmente por ele não concordar com a corrupção escrota que gerou esse litígio do que decorre uma perseguição covarde e vil, o amigo de Manoel começa a associar seu destino ao do amigo pianista desaparecido cuja história de dor ele escreveu. “Meu amigo em parte alcança alguma razão: é tão surrealista e descabido o linchamento que sofre da vizinhança que cabe mesmo esperar pelo pior!”, e as últimas palavras do amigo lhe bateram na moleira: “Manoel, agora só falta lesão corporal grave e homicídio: a prosseguir tal sanha doentia, poderia eu esperar o quê?” E Manoel queda consternado, considerando a procedência desse prognóstico sombrio mas tão admissível a partir de tanta miséria que já alcança a marca de três anos. “Isso fede a um ‘juízo final’”, considera Manoel enquanto busca mentalmente saídas para tamanha barbárie. Enter.
E assim se avizinha o fim do ano, Manoel preocupado com a lúcida preocupação do amigo, que nada tem de bobo. E, considerando a selvageria e a crueldade que já se verificaram, em episódios de violência assustadora e de desumanidade estarrecedora, fatos de levar qualquer um a pensar estar entre bestas feras devastadoras, Manoel anda mais próximo de sua amada, que emite as vibrações de um anjo pacificador, sem contudo descer à possibilidade de transigir com as tristes imagens de suas semelhantes na área, sem jamais poder se deixar descer à baixa frequência que as dondocas do entorno exibem sem pejo. Enter.
Em noite de preparação para exames obrigatórios para a cirurgia de catarata, o amigo, insone durante as doze horas noturnas de jejum necessário para o exame de sangue, baixou na cama sua biblioteca de revistas especializadas em política e história recente do Brasil. E eis que reviu o horror do desfecho do governo Vargas, aquele suicídio, aquela sanha desencadeada pelo tresloucado Carlos Lacerda e que levou o grande estadista ao suicídio. O amigo viveu isso de perto. Leu também sobre a inexplicável morte do Juscelino na Dutra, reportagem que apresenta evidências inequívocas de ter sido aquilo um cruel atentado, pois acidente não poderia ser, da forma como ocorreu. E raiou o dia, e lá foi o amigo entregar o cano à seringa para tirar sangues e outros babados, como fazer eletrocardiograma e radiografias. Enter final.
“Meu reino não é deste mundo, Manoel, eu já tinha constatado isso antes, quando acordei para a barbárie em que ingressamos desde aquele fatídico 1964. Mataram nosso país, claro, mas a desgraça maior foi o tipo de gente que brotou dessa mudança. Acho que vem chegando a hora”. E Manoel considera, ponderado: “Pois se é pra ser, que seja! Não cairás sozinho! Mantenha Deus e o Cristo no coração. Isso parece que não vai acabar bem, mas daremos o melhor de nós!” E vem chegando o Ano Novo com os dois amigos abraçados fraternalmente, Maria disfarçando de lado, vertendo suas lágrimas de cristal. E o amigo de Manoel se despede com alguma esperança no coração: “Vou pra casa acender as luzinhas piscantes de Natal, que sempre me trouxeram tanta esperança e tanto encantamento, desde que me conheço. Talvez o Cristo dê uma chegada a essas profundezas e traga alguma luz para essas almas, e as ensine a renunciar ao ódio... Quem sabe?” E viva Santo Expedito! Oremos. Té pro ano, amigos!
ATENÇÃO: JÁ ESTAMOS CENSURADOS HÁ 628 DIAS. A CENSURA A O ESTADO DE SÃO PAULO, VERGONHA QUE SOMA 151 DIAS E QUE FOI MANTIDA EM RECENTE VOTAÇÃO NO SUPREMO, ESTÁ CONDENADA ATÉ EM ÂMBITO MUNDIAL. QUANTO A NÓS..., FOI MANTIDA PELO MINISTRO PRESIDENTE DO STF, GILMAR MENDES. E CONTINUAMOS AMORDAÇADOS BONITINHO!B