sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Manoel retoma a literatura em meio ao caos

Frederico Mendonça de Oliveira

Depois de viver décadas um tanto afastado de seus autores prediletos da Santa Terrinha, Manoel decide mergulhar de novo na literatura portuguesa, repleta de gênios até o começo deste século, mas impressionantemente inferior ao Brasil em poetas e prosadores desde a década de 30 passada – tirando Fernando Pessoa, última glória da terra de Camões, que abriu a grande maravilha literária portuguesa. Hoje o Saramago reergue um pouco a chama de Portugal nas letras, mas é algo bastante pálido em comparação com um passado tão admirável. Em contrapartida, no Brasil a coisa da literatura no século XX foi arrasadora: de Euclides da Cunha e Murilo Mendes a Oswald de Andrade, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, só pra citar alguns de nossos mestres do século passado, o Brasil simplesmente produziu a maior literatura do mundo! E para justificar o título, Manoel relembra um poeminha de Murilo Mendes de nome Pré-história: “Mamãe vestida de rendas/ tocava piano no caos/ Uma noite abriu as asas/ cansada de tanto som/ Equilibrou-se no azul/ de tonta não mais olhou para mim/ para ninguém/ Caiu no álbum de retratos”. Bem, o Brasil literariamente também acabou, e não só isso: acabou em tudo. Daí nosso herói se voltar para seu ícones do passado, especialmente um que fala através de seu próprio coração: Camilo Castelo Branco. Enter.
Bem, Camilo é Camilo, um território de riqueza incomparável, mesmo considerando seu contemporâneo Alexandre Herculano. Guimarães Rosa acabou por digamos encerrar a literatura brasileira, que recebeu seu golpe mortal com o movimento militar de 1964 e a imediatamente posterior entrada no ar do maior flagelo que já assolou nosso país terminal: a Rede Globo. Mas o encantamento da leitura dos geniais brasileiros acabou por afastar Manoel de Camilo, Eça, Ortigão, Herculano, Castilho, Pessoa e cia. Deu-se que nosso herói, depois de enfrentar um exemplar de contos russos constante de uma coleção de contos universais, e meio que aporrinhado com o universo daqueles escritores tão torturados, sem contar que tradução mata muito do sabor e teor originais, eis que lhe veio a idéia: “Ó pá! Tu não vais ler teus compatriotas no livro de contos portugueses desta porra de coleção??”, perguntou a si mesmo Manoel, e o livro saltou célere para suas mãos. E começou uma fase de deslumbramento para compensar a miséria moral e humana que pulula na pracita próxima a sua residência, onde mentalidades de frangos de granja, de hienas, de oligoquetas e de pitecóides fazem a farra da estupidez e da corrupção... Curiosamente, se tais "seres" se desgraçam com esse mergulho na lama da podridão política no hoje depravado Arraial das Bagas, trazendo para suas vidas e para a deformação dos infelizes menores que já em tenra idade aprendem a deformidade e a corrupção pelas mãos e exemplos miseráveis dos próprios pais, pelo menos os infelizes menores se livram da ação da Rede Globo, enquanto diariamente dão vazão a seus instintos herdados de pais estúpidos, ignorantes, arrogantes e sádicos. Enter.
Então, enquanto essas bestas e bestinhas chafurdam na lama, Manoel deita e rola na delícia dos contos portugueses, que abrem o volume com a maravilha de Padre Manoel Bernardes, uma linda parábola religiosa dos tempos ainda áureos do cristianismo católico autêntico e tão belo. E logo veio Herculano com seu imperdível “O bispo negro”, e logo veio Camilo com “Uma casa triste”, que levou nosso herói às lágrimas – que ele escondeu de sua amada, para não afligi-la. Pois ao ler Ramalho Ortigão, nosso herói chegou a quase estourar de tanto gargalhar ao lado de sua linda e divinal Maria, que neste momento lia os russos, e que ria de ver a explosão de hilaridade de seu homem e acabou até atemorizada com achar que ele ia ter um troço, pois se contorcia na cama de tanto rir e lacrimejar. E nessa admirável viagem, em que até o protótipo do livro A Cidade e as Serras apareceu em conto de nome Civilização, do Eça, Manoel se renovou das agruras de viver cercado de oligóides e corruptos confessos e fanáticos, sem contar a cachorrada dessa horda de imbecis, que late infernalmente como que transmitindo ao bairro a desdita que esses energúmenos experimentam nessa vida deles tão estúpida... Enter.
Pois Manoel, um iniciado por sua própria capacidade de evoluir, aplaca o desejo de impor uma lição a essa malta de basbaques e sevandijas, pois compreende que eles estão evoluindo mesmo que aparentemente regredindo tão grosseiramente. E considera sua própria condição: enquanto essa gentuça obtusa e alarvajada, seguindo religiosa e fervorosamente a determinação de outro alarvajado patife cheio de poder, se abestalha roçando-se uns nos outros como asnos a se coçar mutuamente, aquilo de “asinus asinum fricat” (um burro esfrega o outro), ele avança a largos passos no aperfeiçoamento desde que houve de se cansar da lamurienta e deprimente literatura russa, que chega aos limites do baixo astral. “Bem, estamos no país de Lula!”, pensa nosso querido personagem, “e que se pode esperar de um pinguço que não passa de um beldroegas traidor a serviço dos globalizadores fingindo ser homem do povo??”. Enter final.
Neste exato momento, um bando de estúpidos adolescentes histéricos faz arruaça na pracita. O que era local de paz virou esse inferno. Isso rima com Sarney, com Lula, com a guerra civil, com a estupidez instituída, com Rede Globo, com Igreja Universal, com a fome, com a corrupção, com o ódio: é a calamidade social, o colapso da Humanidade em marcha e materialização, é a decomposição vertiginosa dos conteúdos, é a lama, a lama, a lama! É Belzebu assumindo a sociedade em putrefação, é a tetrametilenodiamina e seu fedor de carniça tomando conta de tudo. É o fim. Mas Manoel enfia em êxtase pelas lindas páginas de A Doida de Candal, de Camilo, e se abstrai da miséria que pulula fora, na vizinhança que em delícia delirante se emporcalha em promiscuidade obscena, e sua Maria, linda e feminina, exala perfume a seu lado, encantando mais ainda o retorno de nosso herói a seus mestres lusitanos. E o céu se instala no recesso, sacrossanto sim!!, enquanto a récua de boçais se consome em azáfama de estupidez lá fora... E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!