sexta-feira, 28 de maio de 2010

Manoel, bandeiras e “bandeiras” do Brasil

Frederico Mendonça de Oliveira

Diante da ridícula exibição de bandeiras brasileiras em função da copa do mundo de futebol que se aproxima, os objetos vestidos do Sistema já revelam seu envolvimento com essa patarata empetecando suas casas com aquele verdeamareloazulebranco digamos... coisa de otário. Chegam a esticar em fachadas de casas pavilhões imensos, como se estivéssemos em enfrentamento em que valesse nossa honra, que aliás já perdemos de há muito, e não há mais como recuperá-la. E Manoel considera essa palhaçada, típica de bonecos vestidos e de cérebros de frango de granja, e vai conversando com sua linda Maria sobre tal patacoada, que encarta outras, outras ainda, e acaba que vamos parar até na Vila Rica dos tempos da Inconfidência Mineira, depois Conjuração Mineira, hoje não se sabe o quê. E Maria se diverte e até meio que se encanta com ver que a testosterona de seu apaixonado marido ainda sobra para emular conjeturas verticais, como que ereções mentais diante da completa brochada brasilis no que tange a usar o bestunto. Enter.
“Ó Maria, que lamentável é ver o quanto estão cegos os brasileiros de hoje diante de valores políticos, pátrios, institucionais, sociais, até mesmo de símbolos nacionais. Mas, convenhamos, quem pode resistir pensando após anos e anos de Xuxa, Trapalhões, novelas das oito e demais, Sílvio Santos, futebol alienante, quem suporta décadas seguidas desse massacre sem acabar lesado de alguma forma? Porra, água mole em pedra dura... ou, similar a isso: uma mentira dita mil vezes torna-se verdade! Então os brasileiros de hoje são em sua maioria vítimas dessa burrificação, e isso é um butim de guerra, porque existe de fato invasão e destruição interna... incluindo a letal ação real da TV durante esse quase meio século, e isso foi e é bombardeio cerrado, nos despoja de nossos conteúdos e enriquece o inimigo! E a pergunta, ó Maria, é: a quem isso aproveita? Quem é, na verdade, o inimigo?”, e Manoel até se excita com divisar tais valores. Primeiro, a bandeira nacional: “Quem é que tem qualquer noção quanto ao que significa o losango amarelo na horizontal? Ninguém! Ninguém!! O que se divulgou sobre os significados da bandeira é ridículo: ‘o verde de nossas matas – que vão sendo monstruosamente devastadas -, o amarelo de nosso ouro – onde anda esse ouro, foi parar em que mãos? -, o azul de nosso céu’ – que hoje é um céu constrangido por ver o que está sob ele. Lembra-me até Castro Alves: ‘Senhor Deus dos desgraçados/ dizei-me vós, Senhor Deus/Se é verdade ou é mentira/ Tanto horror perante os céus!’... Meu Deus! Pois ensinaram toda essa besteirada na década de 1950! Se já era cascataça então, que dirá hoje, depois de devastada e extinta a nação! E a bandeira ainda fala em ‘ordem e progresso’, quando o País vive plena desordem e pleno retrocesso!” Enter.
“E por falar em lemas disparatados em bandeiras, que dizer do absurdo ‘libertas quae sera tamen’?, que nas escolas ensinam como sendo ‘liberdade ainda que tardia’? É impressionante como engrupem as crianças desde tão longa data e como, depois adultos, prosseguem engrupidos, e só algum privilegiado saca o real significado desse disparate, que vive nas fuças de todos o tempo todo, concretizando a enganação, neste caso uma bela patacoada! Afinal, Virgílio escreveu ‘Libertas quae sera tamen respexit inertem candidior postquam tondenti barba cadebat’, significando: ‘liberdade que, tardia, contudo, me viu já improdutivo, quando, ao fazer a barba, esta já caía branca’. É trecho das Églogas, Virgílio tinha então 25 anos. Pois veja, o que está na equivocada bandeira de Minas é: ‘Liberdade que, tardia, contudo’; se fosse ‘liberdade ainda que tardia, seria ‘Libertam quamquam sera’, pois quamquam é conjunção concessiva, significando embora, ainda que, mesmo que, conquanto. Já tamen é conjunção coordenativa adversativa, e significa contudo. Não faz sentido fora do contexto, ó pá! Será que NINGUÉM ainda viu isso, ó Maria? Será que aqui não existem pensadores, latinistas, gramáticos, gente que grite contra um disparate sesquipedal como este??”, e Maria se concentra nessa porcariada, que ela jamais perceberia não fosse a ação intelectual ininterrupta e incansável de seu apaixonado Manoel. E, interessante, portuguesa de Torres Vedras, Maria se sente envergonhada ao constatar a desbundação tupiniquim, que não enxerga nem mesmo o valor de suas bandeiras... "Que 'bandeira!'", conclui ela. Enter.
E Maria viaja na maionese até sua querida e saudosa “santa terrinha”, onde as bandeiras são sagradas MESMO, e onde todos não só veneram sua bandeira nacional como também sabem EXATAMENTE o que significam seus elementos constitutivos, estandarte cristão na essência, e eis Maria constrangida de ver que ninguém no Brasil entende o seu pavilhão nacional, ninguém nem vê que o dístico positivista vira piada frente à realidade que os brasileiros enfrentam. Enter.
Chega o amigo músico de Manoel, depois de um telefonema de articulação, e a conversa pega fogo: o amigo tem um amigo que peita as autoridades do Arraial das Bagas, e sua/dele trajetória é fumegante: esse homem ímpar entrou com processo contra a chapa vencedora das eleições para o Executivo do município por ter descoberto uma doação de campanha feita por uma entidade que não tem fins lucrativos – portanto impedida de fazer doações dessa natureza, pelo fato de receber dotação federal. No arraial, a coisa foi devidamente escamoteada, foi indeferida a petição. Feito recurso para instância superior, na capital do estado, veio de lá uma “decisão” surrealista: foi constatado o crime eleitoral, mas quem julgou o recurso “entendeu” que “a doação não foi decisiva para o resultado do pleito”, e assim ficou. Feito recurso para a instância máxima, na capital federal, uma ministra falou alto: “determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem para que nova decisão seja proferida”. “Cumpra-se a lei, dê-se a sentença!”, ordenou a primeira criatura decente nesse percurso. E agora o amigo do amigo espera a sentença, que demora, demora, e ele já pensa em fazer outra aprontação pública, no nível do que já vinha fazendo, virando um banner humano plantado na porta do fórum denunciando não haver justiça eleitoral no arraial. Foi alvo de processos criminais e até de tentativa de lesão corporal a faca, na porta da Câmara. Enter final.
E agora vemos a cena: Manoel aconselhando o amigo a dizer para o amigo deste que procure meios eficazes, que não se exponha a violências, já que vem sofrendo processos e perseguição, e considere que o corporativismo é um fato monolítico no arraial... “Avisa lá que os brasileiros estão vivendo numa selva, vê se acalmas o homem! Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém!...” E ficou assim. E viva Santo Expedito! Oremos. Té mais, babes!
Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, a restrição já vai totalizando 779 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 301 dias...