quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

“A loucura é a lei!, ó Deus!”

Frederico Mendonça de Oliveira

Já assombrado com o que passou a verificar de loucuras nesta Pindorama abilolada, Manoel passou a ter idéia fixa sobre o que fazer da vida. Cogita em continuar no arraialito de montanheses irracionais, considera a possibilidade de se mudar para outro arraial embora correndo o risco de encontrar a mesma realidade ou algo pior ainda; pensa em se mudar de volta para Portugal, deixando o Brasil como um hospício que ficou apenas pendurado nas paredes de sua memória. Veio-lhe à cachimônia “Confidência de itabirano”, de Drummond: “Itabira hoje é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”, e Manoel pensou na bugraiada que hoje entregou a vida à TV e simplesmente ignora tudo relativo a cultura, seja poesia, seja música, seja cinema, seja pintura... Carlos Drummond, poeta que ele simplesmente leu, releu e tresleu, não é hoje apenas uma fotografia nas paredes da vida dos brasileiros: é, isto sim, alguém tão desconhecido como alguém que não tivesse jamais existido. É isso a “cultura” no Brasil de hoje: um chiqueiro onde refocilam criaturas abissais emitindo guais lancinantes e sem sentido senão como emissão de sonoridades deletérias para que multidões de milhares de imbecis chafurdem gritando como que tomadas de um delírio inexplicável, O DELÍRIO DO NADA VEZES NADA!!! Enter.
Pois vai Manoel pensando nas cenas da vida atual no arraialito de bonecos (mal) vestidos (não pela pobreza, mas pelo mau gosto), constata o completo descompromisso dessa ralé de classe média com valores e instituições, e quando dá por si já está ele abrindo o congelador de sua velha mas eficiente Cônsul, pela qual já passaram milhares de litros (só por esta já terão passado 15.330 litros) de cerveja, por baixo. E como já são 20h15, e o sol já se tenha posto mesmo sendo horário de verão, essa invenção de brasileiros loucos da ditadura, aliás daquele Aureliano Chaves, lá vem a primeira cerveja, e Manoel lembra um filme babaca visto há quase 30 anos em que uma personagem, indagada sobre se tomaria um trago numa hora difícil lá, responde:”Nunca antes que o sol se ponha!”. O filme titica valeu pela frase. E tilinta a registradora da AMBEV, que Manoel considera um cartel infernal, porque impede entrada de outras marcas que não as dela nas distribuidoras do arraial. Desce a lata inteira, geladézima, garganta abaixo, e Manoel emite um imenso e estremecedor arroto, que deve deixar os vizinhos, especialmente a produzidíssima esposa, dizendo: “Nojento!... Que nojento esse português!...”. Pois chegam o filho dele e amigos, e a conversa vai para a profundidade política e filosófica, terreno ali cultivado, e Manoel relata a destruição total das instituições através de uma cena que vivera na rua neste mesmo dia já anoitecido. A turma, bebendo e já degustando camarões, ouve. Enter.
“Estava eu a caminhar pelas ruas e constatei que a maioria das lojas hoje têm caixa de som à porta expelindo som miserável, essas nulidades luxuosas de hoje, essas Sangalos e que tais. Dobrei a oeste, lá estava outra loja com caixa de som à porta, esta com uma dupla de maratimbas em desconcerto gravado ao vivo, e ouviam-se sons de “macacas” respondendo ao que os bugres diziam e cantavam. Atravessei, mesmo continuando a ouvir aquilo, e vi que vinham na mesma calçada duas bugras adolescentes parecendo duas fêmeas de chimpanzé, e faziam uma ‘coreografia’ já conhecida para o som que vinha da maldita caixa. Ficaram com aspecto mais animalesco ainda, pareciam dois onagros de fisionomia deformada por uma alegria estúpida. Os caras falavam de bater mão, o auditório batia mão e falava igual; falavam de bater pé, todos respondiam o mesmo. “Puta merda, estão todos de deixando transformar em macacos ou cachorros de circo!”, horrorizou-se Manoel. “Será que estão todos nascendo sem cérebro??”. A rapaziada se agitou lembrando coisas semelhantes que vivem no estudo e no trabalho, e tome cervejas e camarões, que todos ali são filhos legítimos de Deus... Enter.
Nisso chega Maria Garcia, o amor de Manoel, toda feliz e sorridente com um radinho GE 1965 – já transistorizado – só de ondas médias e curtas, que Manoel achara numa lojita de conserto de eletrossonoros. E todos passaram ali a curtir programas de capitais, programas com excelente teor musical, com excelentes locutores, e eis rolando naquela copa-cozinha de grandes curtições uma sessão especial de cultura e crítica musical, coisa obrigatória naquela casa. Manoel cogita sobre o que “sentirão” os vizinhos se aqueles sons chegarem até eles. Será que “sentem” alguma coisa ainda, anestesiados e burrificados que estão de TV diária há décadas, bundas pregadas no sofá e olhos nas novelas e no futebol? E que dizer de se não abrirem mais livros em lugar nenhum desse bairro, desse arraial, desse estado, desse desgraçado país? Pois que os vizinhos adorem ou estranhem, problema deles. O que não pode acontecer é a burrice adentrar e ser admitida na casa deste lusitano das arábias! Enter final.
A noite já vai alta, a lua também, altíssima. De longe vêm os ruídos da “cidade”, motos de entregadores, carros de malucos fazendo cagadas ao volante, cães às centenas latindo em desespero por serem seus donos, insensíveis e ignaros, seres transformados em réplicas de seres, gente que não vê no cão senão um bicho que late pra amedrontar possíveis ladrões. Manoel pensa na imbecilidade difundida pelo arraial, compreende ser esse um problema da Humanidade, pensa nos estúpidos seres que compõem a vizinhança, seres agarrados ao desejo de possuir, seres hipócritas por opção, cínicos por necessidade de ocultar de imediato sua deformidade, seres que não arrotam sonoramente mas arrotam sem ruído terem dois carros, e que se escondem, entre vidros fumê de carros todos negros, da ralé passante que eles desprezam por preconceito de classe média. “Classe MÉRDIA é o que são! Não percebem que estão num cárcere, e que, como disse Huxley, “sentam-se na poltrona para apodrecer vivos mas confortavelmente”. “Que se forniquem, que se rocem nas paredes, que se esfreguem entre si, alimárias que são!”. E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té mais, babes!