Frederico Mendonça de Oliveira
Saiu a notícia, captada por Manoel, que passeava rapidamente os olhos pelas “notícias” estampadas na mídia, para ele, uma “mérdia”: “Orangotango de zoológico alemão grava primeiro CD”. Saiu isso no G1. A reportagem é da revista alemã Der Spiegel, que está longe de descer às profundezas tenebrosas de uma Veja, mas que também é arrolhada como garrafa de vinho argentino. Spiegel em alemão é espelho, mas a revista só espelha a superfície enganosa dos fatos. Assim ordena a central oculta de controle da mídia mundial. Mas essa de o orangósio gravar foi fina. E sai exatamente uma semana depois de o Zé Rodrix desistir de prosseguir nesse mundo cruel. Pois é. Primeiro CD? Então poderão vir outros... Bem, vamos em frente. O nome do bicho é Ujian (isso lembra a Manoel o nome de um filho de um brasileiro que mora em Brasília e não sabe de nada que ocorre a sua volta), e ele aprendeu a assoviar. Um chucrute que levou seu filho ao zoológico ouviu o bicho assoviando e correu a sua casa, voltando munido de um gravador digital. Captou quatro horas de assovios do antropóide e providenciou a gravação de um CD em que o pongídeo emite seus silvos melódicos sobre fundo musical providenciado por um músico desconhecido lá. Poderiam botar de fundo A Morte de Isolda, com a Berliner regida pelo Karajan... Bem, ’tá. O CD será vendido no próprio zoo, e o dinheiro arrecadado será usado para ampliar e melhorar as dependências onde o “homem da floresta” (eis o significado da palavra orangotango, do malaio; pois Manoel, a julgar por vocábulos lindos como camundongo, marimbondo, bunda, julgava tratar-se também de palavra do idioma quimbundo, de Angola) está alojado na instituição. Enter.
Bem, o bicho aprendeu a assoviar, coisa que papagaios no Brasil sempre fizeram, especialmente depois do aparecimento das mulatas, lá pro século XVIII. Seguramente aprenderam isso ao ver aquelas nádegas magníficas rebolando pelas ruas e dependências das casas senhoriais onde as atraentes mestiças de afrodescendentes com brancos safados exibiam sua exuberância. Bunda é do quimbundo ‘mbunda”, que significa quadris, nádegas. “Mas os papagaios já assoviam desde séculos”, considera Manoel, “mesmo não podendo contrair lábios, e apesar da poderosa bicanca de crassirrostro”. Já pelas fotos de Ujian, os lábios são imensos e flexíveis (“Lembram certo traidor ignóbil que ocupou a presidência deste país desgraçado”, pensa Manoel, “mas os lábios de Ujian não são tão monstruosos”), facilitando a proeza. “Muito bem, muito bem. Mas esse assunto merece mais profundidade”, pondera nosso herói. Enter.
Pois é. Desde o fim da era da MPB orangotangóides gravam CDs por aqui. Aliás, desde muito antes. A notícia não ganhou grande repercussão nem boa acolhida por aqui pelo fato de ser considerada uma ameaça a certos pongídeos vestidos e emissores de horrendos guais e que o fazem diante de multidões de seres que agem como pongídeos de saias em auditórios onde reina o mal. Esses seres, que normalmente andam a dois, com nomes fazendo combinações a partir da semelhança de origem ou de tacanhez álacre, também amealham e enchem suas burras em locais assemelhados a zoológicos, repletos de quadrúpedes que aprenderam a andar sobre os quartos traseiros. E acaba que vivem em mansões, no que Ujian aparentemente fica pra trás, porque vive literalmente em jaula, diferente da jaula metafórica em que estão confinados – sem se aperceberem disso – seus concorrentes brasileiros na canção. Enter.
Pois outros seres com características de pongídeos, só que sem uma gota da dignidade e a pureza destes, se espalham pelo Planalto Central e pelas esferas de poder nesta Pindorama. “Pensando bem”, rumina Manoel, “pongídeos são desprovidos de cauda, mas são habilíssimos arborícolas. O Ruy Castro comentou que os seres de hoje voltaram às árvores, metáfora dele para o emburrecimento generalizado, especialmente no que respeita a música. Outros comentam que os mesmos seres só não voltam às copas do arvoredo porque perderam o rabo. Pois bem: pongídeos não precisam de rabo pra circular com total desenvoltura de galho em galho”. “O mais interessante”, conjetura Manoel, “é que árvores não são o forte em Brasília, mas os pongídeos de terno e gravata andam pendurados em florestas de galhos imensos de corrupção. São a maior praga já encontrada na triste história desse lugar desgraçado desde que Cabral bateu aqui com sua frota contaminada pelos inimigos da Humanidade”. Enter final.
Bem, Manoel apenas tratou de realizar um exercício de humor um tanto plúmbeo, considerando que seu coração bate forte e crístico tanto pelos animais como pelos pecadores. E reconsidera a palavra de seu verdadeiro ídolo, Jeshua ben Joseph, o Kristos dos gregos e o Cristo para os homens de alma limpa: “Não vim para os justos, mas para os pecadores”. Indignado com a degenerescência que vai corrompendo o planeta, não só a Pindorama, nosso herói reconsidera até o horror que deverá ser o que anda passando o tal do Sérgio Paranhos Fleury lá do outro lado, e o que vai ele aturar quando reencarnar. Fleury veio à baila porque Manoel soube da missa pelos 30 anos da morte do policial, que, entre outras muitas vítimas, mandou para o beleléu Lamarca e Zezinho no interior da Bahia em meados de 1972. “Pobre desgraçado!”, considera Manoel: “Quem sabe, esse infeliz não sabia absolutamente o que fazia?!, e achava que estava mesmo livrando o país da ação do inimigo...”, e eis Manoel já tentado a abrir uma latinha geladézima, pedindo em brinde, sob o olhar doce de Maria, piedade para pongídeos, seus assemelhados vestidos e mesmo para os equivocados quanto ao que seja o bem e o mal... E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!