Frederico Mendonça de Oliveira
Bem, nem seus “ídalos” o Brasil conhece. Cá pra nós, você sabe muito bem: quem no Brasil conhece esses dois que entregaram o couro às varas no espaço de uma semana? Quem conhece Chico Anísio? Só a turma de 40 pra cima... e conhece o pior do cara, aquela safadíssima escolinha, que, se por um lado, ajudou humoristas que não seriam vistos na TV senão ali, por outro ajudou a depredar de forma irreversível a Educação como instituição. No mínimo, banalizou e ridicularizou tudo: sala de aula, professor, alunos, matérias, critérios, TUDO! Foi o maior achincalhe já desferido contra a Educação no Brasil – E, dos jornalões, das universidades, da área da Educação, NINGUÉM JAMAIS PIOU A RESPEITO, NIN-GUÉM!!! Nós, daqui de nossa humilde trincheira, gritamos no vazio. E ainda fomos mal olhados. Chico Anísio, fora isso, fez rir e entreteve. Muito mais entreteve que fez rir. De minha experiência posso registrar que achava a voz dele engraçada no rádio quando, menino, o ouvia nos anos 50. Só. Também sempre vi como interessantes e até divertidas suas invenções, seus personagens. Sem dúvida, um talento real e quase inexcedível. Gargalhar, só uma vez em sessenta anos: numa passagem daquele coronel nordestino que tinha uma das lentes dos óculos escura, falava sentado numa cadeira de balanço e tinha ao lado dele a mulher, parece que a Tera; do outro lado, o tal do Pedro Bó. A cena foi impagável. Teve um crescente ternário, três intervenções do imbecil Bó, que catava feijão de pé numa bacia. A terceira reação de irritação do coronel foi dar um bofetão de baixo pra cima na bacia, mandando a feijãozada por espaço. Mas isso foi no início dos anos 70. A partir de então a profusão de tipos foi imensa, inclusive os que espetavam os políticos. O Justo Veríssimo, caricatura até tolerante para com o abjeto Sarney, era só achincalhe leve, embora fosse direto e fizesse a turma se divertir. Mas rir... às vezes, só às vezes. Na Escolinha, por exemplo, os alunos eram mais hilariantes. Mas o humor no Brasil tem um grave obstáculo: nossa vida nos convida muito mais a chorar, a refletir, a renunciar, a denunciar, e já é uma tremenda demonstração de humor criativo o simples viver ou o simples conviver com o que está aí. O humor do Chico Anísio era pra gente que tem dinheiro, sentindo-se acima dos problemas que afligem a gentuça. Então, Chico Anísio, valeu. E você já estava fora, era fato. Hoje uma mulher-arroto é mais hilariante, como quando arrotou nas naringas da Marta Suplicy. Isso lava mais a alma, nos faz sentir mais representados, mais simples. Um arroto vale, às vezes, mais que mil piadas, mais que mil personagens, mais que mil textos. Os tempos já são outros... Enter.
E agora foi o Millôr. Ele disse coisas interessantes, era um frasista legal. Mas quem, nesse Brasil de bugres e energúmenos, sabe o que vem a ser uma frase no sentido especial do termo? A turma desse lugar desgraçado e governado por Satanás – segundo os grandes manuais, claro, não com a visão em preto e branco dos edirmacedianos e quejandos – nem sabe mais conjugar verbos, não sabe mais tabuada, as mulas nem sabem mais segurar uma caneta esferográfica... Não sabem nem comer: mesmo tendo o rosto sem mandíbulas proeminentes como os animais, metem a cara no prato e comem como cachorros, agarrados febrilmente à faca na mão esquerda, e desenvolvem deformidades horrendas na cervical, E NEM SABEM DISSO! É a turma do “vai vim”, do “vô vim”, do “pode vim”, gentuça que não tem asseio oral para falar... e tome “compania”, “fecha (é)”, “nós vai”, “cunóis”, “traz pra eu”, “chamar eu”, “pra mim fazer” e outras falas torpes, deselegantes e... pouco higiênicas. Onde entra Millôr nisso? Millôr era do tempo da civilização, anterior à era da emepebê, que foi o conectivo com a desgraça cultural de hoje. Entre muitas frases, vale citar duas: “Chato é o cara a quem você pergunta ‘como vai’ e ele explica”; outra: “Metade de nossa vida é estragada pelos pais; a outra, pelos filhos”. Interessante, né? Mas tudo isso é passado, o Brasil onde o Millôr se encaixava não existe mais. Virou um saara habitado por zumbis desgraçados... e vale citar mais gente que se foi ou não, só pra ver onde estamos. Enter.
O “top top” acima é desconhecido dos zumbis que deambulam atualmente por aí: significa “sifu”, que é uma redução da expressão reflexiva “se fornicou”, significando “se lascou”, literalmente mostrando alguém ter levado a pior. Era criação do Henfil, cartunista, criador de coisas adoráveis como o Bode Orellana, a Gralha, os Fradinhos. Era imperdível o trabalho dele, mais cáustico que o Chico Anísio. Era irmão do Betinho, aquele que virou ícone da redemocratização que deu na putaria desenfreada que hoje grassa na Pindorama. Tinha também o Jaguar, que parece que ainda vive. Deste, há que lembrar duas personagens imperdíveis: Bóris, O Homem-tronco é um, incrível achado; outro é Gastão, o Vomitador: sempre que alguém dizia algo desagradável, como falar de roubalheira na política, o tal Gastão vomitava. E era gargalhada geral no País. Enter.
Mas hoje? Só uma meia dúzia de letrados em meio a quase duas centenas de milhões de iletrados assumidos e aguerridos se não furiosos sabem ver as tirinhas da Folha – por sinal, uma produção sem paralelo no mundo. O Níquel Náusea, do Gonsalez, é obra prima de idéia e de desenho, uma tridimensionalidade encantadora. O Angeli, que abre a seção, é um caso de loucura e genialidade combinadas, um humor cáustico, dilacerado, uma luz sombria que até fantasmagoriza os quadrinhos e as personagens. O Caco Galhardo é duro e mordaz com a miséria do homem vergado a seus desejos e instintos primários. O Laerte, uma viagem aos meandros do pesadelo que perpassa nossas vidas. Enter final.
Então, top top pra nós. Resta-nos Eliana Calmon, que revelou o traseiro sujo do Judiciário e tirou o sono de muitos no reino olímpico de suas excelências. Ela mostrou que esses togados cheios de soberba e empáfia têm nas tripas o mesmo que um morador de rua. Estamos de há muito sem Millôr e Chico Anísio. Mas, fora você e eu, poucos sobreviventes da civilização sabem quem foram esses dois. Estamos fu. Mas nossa genialidade prossegue, e vamos a Deus. E viva Santo Expedito. Oremos. Bye, babes.