sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Manoel e o carnaval dos sem-rumo

Frederico Mendonça de Oliveira

“Recife adormecida/ ficava a sonhar/ ao som da triste melodia”. Melodia, por sinal, de Nelson Ferreira, o bamba do frevo, o coração vivo de Pernambuco, a alma de Recife e Olinda, coisa muito brasileira a que Manoel se curva em reverência profunda, especialmente depois de ouvir seu amigo músico discorrer sobre os valores musicais de Evocação nº 1, o frevo que conquistou o Brasil em 1957. O silêncio pós-carnavalesco de então era doloroso, triste, carregado de saudade de mais um episódio de humanismo e sentimentos de arte coletiva vivida no tríduo momesco, reinado de uma alegria realmente coletivizada, quando a instituição Brasil ainda era viva e pulsante de esperança. E quando o espírito cristão ainda corria nas veias e espíritos da gente em geral, o povo, os brasileiros sofridos mas ainda esperançados, os seres vivos que pisavam o solo de uma ainda pátria, uma ainda nação. Enter.
Pois hoje não há mais saudade, há vazio, há ausência. Saudade só pode haver como oposição a amor. E no Brasil o amor acabou. Amor pelos nossos valores, pelas nossas vidas envolvidas com beleza natural, grandeza, bondade, amor pelo conterrâneo, pelo irmão do mesmo sangue, amor capaz de congraçar na alegria, no sofrimento e na festa popular tanto regional como nacional. Como pode haver saudade de coisas? O carnaval hoje é uma coisa, embora sobrevivam dentro dos foliões globalizados resquícios de homens, vestígios de sentimentos reais, não esteja em festa só o boneco do mundo massacrado pelo capitalismo destrutivo e excludente. Por mais que fosse coletivizada a alegria de antanho, ela não era vulgar, não era coisa. Era uma força liberada, fluida, real, era um estado de espírito similar à paixão, ao amor, ao sublime. Enter.
“Na alta madrugada o coro entoava/ do bloco a marcha-regresso/ que era um sucesso nos tempos ideais/ do velho Raul Morais” – eis como se pensava o carnaval em Pernambuco, eis os valores de um Brasil vivo, embora já carregando no cachaço as farpas dos bandarilheiros que mais desesperam o touro na arena, preparando-o para o golpe mortal. “Adeus, adeus, minha gente/ que já cantamos bastante!”, e o sentimento benigno de saudade pelo término da grande festa anual de congraçamento nacional e humano começava a doer duramente, chegando a levar foliões às lágrimas... mas isso era nos tempos de Brasil, de espírito nacionalista – palavra que a imprensa imunda dos globalizadores hoje grafa com aspas, como sendo algo de sentido duvidoso ou amalucado –, de homens públicos da envergadura de Getúlio Vargas, de Gustavo Barroso, de juristas do porte de Ives Gandra Martins, de Raymundo Faoro, de prefeitos como Pedro Ernesto (preso várias vezes por peitar a corrupção e outros desvios já presentes no Brasil e Rio de sua época), de governadores como Leonel Brizola, seja governando o Rio Grande do Sul ou o Rio. Enter.
Eram tempos. A TV ainda não chegara – ou já chegara, mas ainda respeitando valores. Então veio a Globo, e tomamos o golpe mortal em nossa estrutura social e histórica. Se éramos em 1958 campeões em tudo no mundo, hoje somos os campeões de tudo quanto haja de pior. Hoje, o cidadão comum, só para dar um exemplo devastador, se permite a degradação ao voyeurismo mais sórdido e reles, assistindo a um bando de depravados sem qualquer sentimento que não os da competição e do espírito da vantagem a qualquer custo se esfregando diante das famílias, trepando, se digladiando por um milhão e meio de reais para um só deles voltar a viver, agora rico e estúpido, talvez mais estúpido que antes, porque agora “podendo”, não precisando mais fazer qualquer esforço por vencer o que quer que seja. Imundo Brasil de famílias se permitindo a mais porca degradação metida lares adentro pela máquina sórdida, pela telinha maligna, e todos se curvam em reverência à mais torpe e fútil decadência. E a depravação já se institucionalizou de tal forma que, banalizada e difundida sem freio, hoje faz parte da vida desses habitantes cretinizados de um país terminal, de uma pátria assassinada, de uma história dissolvida em merda rala! Enter.
Esse aí que enche o caveirão de 51 e ocupa a presidência apenas para dizer asneiras em Português de puteiro chegou ao cúmulo de “devolver”, com seu timbre de caverna escusa, a fala em que se disse “o homem mais honesto neste país”. E uma professora, devidamente identificada, mandou-lhe pela net um sonoro “vá se foder, presidente!”, mostrando que ele não é absolutamente ninguém pra dizer que é mais honesto que todos “nefte paíf”. Não passa de um usurpador cínico e escroto, que por 25 anos vendeu a imagem de paladino da luta contra a corrupção e pelo decoro político e, logo que chegou ao poder, desembestou pela mesma trajetória de corrupção e boçalidade adotada por todos os que durante anos ele combateu. E ainda inaugurou no país a era das frases de botequim de zona: disse, quando indagado a respeito da linha criminosamente permissiva que o seu “governo” adotou, que “quando se está na presidência, a coisa é outra; antes de assumir, é como um namoro, a presidência é um casamento”. Eis aí um bom exemplo do que se pode chamar de imbecilidade córnea, temperada com cinismo canalha. Sem contar o linguajar de capadócio, de catrumano, de bordel. Coisas como “distança”, Petobrais”, “fechar as conta”, “sanguessunga” etc. Enter final.
Acabou-se mais um carnaval de vazio e permissividade estúpida e gratuita. A alegria do carnaval de hoje é uma vaga ressonância da alegria íntima do brasileiro, que insiste em preservar intuitivamente o júbilo pela existência, não percebendo que com isso renuncia a si mesmo e a seu futuro e dos seus. Mas o mais feio de tudo é a miséria sonora dos carnavais de hoje: escatologia verbal e estupidez musical assumidas como sendo beleza e alegria. Deus se apiede do destino dessas bestas, aliás dessa mais de centena de milhão de bestas sem rumo, já que não sabem quem são, o que fazem e o que querem: só não voltam às árvores porque perderam o rabo. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!