sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Manoel e os patéticos tempos eleitorais

Frederico Mendonça de Oliveira

Maria examina cuidadosa e carinhosamente as roupas que vão para a corda depois de lavadas por ela e sua querida “Dona Maria”, a máquina de lavar com quem tem uma parceria tão perfeita como as de Tom Jobim & Vinícius de Moraes, Ary Barroso & Luís Peixoto, Rita & Roberto. Ela está na área de serviço, na parte traseira da casa, enquanto Manoel, feliz, prepara um delicioso guisado para o almoço do casal que jamais se separará, mesmo nas vidas vindouras. E o rádio toca música de boa qualidade, mesmo que, entre dez e onze da manhã, um usurpador da qualidade da emissora educativa invada a programação madura e de qualidade para enxovalhar o ar com suas/dele bostas sonoras com as quais, acredita o biltre, amealhe admiradores bobões e se projete entre os de sua classe. Passada a intervenção, volta a qualidade, depois de várias invectivas de Maria contra o lixo despejado pelo sacripanta. Mas chega o meio-dia, e aí vem a algaravia torpe dos pelintras em busca das tetas do poder, e o jeito é desligar o aparelho, que os ouvidos do casal não são penicos. Enter.
Maria já rodara sua baiana diante de uma fala dos peemedebistas, mesmo tendo ela se enganado julgando tratar-se da voz do jubado Hélio Costa, hoje mais podado mas mantendo, nas fotos de campanha, aquela carantonha de senhora irascível se fazendo sorridente, talvez para engabelar trouxas. Depois de uma diatribe quase furiosa contra a história de solicitar voto em troca de baratear contas de água, gás e luz, Maria admitiu perante seu Manoel ter atirado meio no escuro, mas de forma nenhuma retirou sua indignação perante a miséria visual e verbal apresentada pelos hoje desacreditados candidatos, uma pantomima de escrotidão jamais vista naquilo que Lula, o chulo, chama de “efte paíf”. E agora Maria de novo roda a baiana, depois de carinhosamente pendurar a roupa lavada com amor pela parceria “Maria & Dona Maria”. É que agora a intelectualidade, a intelligentsia de São Paulo e Rio se levantam contra os desmandos exagerados desse gaiato eleito por um povo abestalhado que, na verdade, só queria era varrer para sempre do cenário “defte paíf” as figuras abjetas de FHC, o sinistro e tanático Gallochmouth, e de Serra, que o Macaco Simão impagavelmente apelidou de “vampiro anêmico”. Claro: quem viu Nosferatu, o Vampiro, de Werner Herzog, verá em Serra imagem semelhante à do Nosferatu representado por Klaus Kinski – embora este seja bem mais bonito, sem a boca de chupa-ovo do tucano. Enter.
Mas eis que ascendeu ao poder o metalúrgico, o homem do povo, a promessa de ética e transformação política. E logo foi tudo miraculosamente transformado em fisiologismo, brotando, de um suposto e até acreditado líder popular consolidado por 25 anos de militância contra um regime escroto e deformado, outro reles mamador – e, pior, o cara se converte em histrião tagarela esparolado, transformando o anterior discurso radical pela legalidade e pela justiça social emitido por mais de duas décadas em palavrório de boçais, típico de pinguços míseros. Enter.
“Um casquilho embrulhado em ternos Armani escondendo um jagodes!”, metralha indignada Maria sob o terno olhar de Manoel, que sorve em delícia a pele de lírio de sua amada revolta (ô) como lindas ondas de ressaca vespertina. “E ainda por cima encarapitado no topo de uma quadrilha piramidal, mesnada de peralvilhos assumidos, escandalosa caterva, todos conscientes – e ele ainda diz que de nada sabia, e tudo vai na mesma, tendo alguns dos celerados apenas perdido sua ‘boca’ oficial, mas nenhum deles vendo hoje o sol nascer quadrado!”, conclui Maria em sua ira santa. “E só agora o pessoal da intelligentsia brasilis se coça diante de tanto descalabro, é um traque de pruridos tardios solto por juristas provectos e outros representantes de instituições glandulares, como se não vivêssemos desde 2002 à beira de um colapso descomunal, ameaçador, não fosse a simples e trágica inversão de postura do primeiro mandatário motivo para imediata sublevação dos setores responsáveis por preservar nossos mais caros valores!... Foi preciso ameaçar a ‘imprensa’ para a macacada tida como reserva moral do País soltar esse traque?” Enter.
Pois agora Maria e Manoel estão mais enojados ainda, envolvidos pela enxurrada de sorrisos calhordas e estudados de centenas de bonecos, os já sabidamente dados a pilantragem política por décadas e os que ora chegam para o desfrute do poder em que a empulhação é o parâmetro e o fisiologismo é a conduta paradigmática. “Uma récua de salafrários: uns, ‘consagrados’ pelos anos e anos de pilantragem; outros, estreantes, exibindo dentes perfeitos em sorrisos estudados, ensaiados para a grande farsa, o grande ludíbrio regiamente pago pelos trabalhadores suados e quase mijados e cagados de tanto labutar!”, exclama a ruborizada Maria assomando à porta da copa-cozinha, o gato trançando entre seus passos firmes e elegantes. O guisado de Manoel perfumou a casa, convida à degustação, e para tanto o casal se despoja de armas e armaduras, sentando pacificamente à mesa sempre atraente e religiosa, sem salamaleques de orações maquinais, apenas a gratidão a Deus permeando um prazer sem lascívia, uma sessão de degustação em que só a pimenta de Manoel mostra algum sinal de sensualidade. O rádio está lá, calado sobre a geladeira. Manoel não quis outro fundo musical para o almoço. Ouvem-se apenas os ruídos eventuais que vêm da pracita hoje menos cotada mas ainda criminosa em sua criminosa essência. Mas um sabiá, que diariamente vem bicar bananas amorosamente jogadas pelo casal para pássaros frugívoros que se acercam da casa, encanta o meio-dia com sua melodia variada, vertical, algo chorosa. Enter.
“Deus é misericordioso, mas nos cabe lutar contra o infortúnio – vide Laocoonte –, e o infortúnio nos ameaça a cada segundo, mergulhados que estamos no crime invisível mas opressivo que preside simplesmente todos os conteúdos do que chamamos de cotidiano social. E pode-se dizer que o crime hoje é o Sistema!”, considera Manoel, feliz depois de ser informado por telefone da chegada de um livro precioso que o casal encomendara. Enter final.
“O malfadado 3 de outubro dará prosseguimento à farsa abjeta que se estende por mais de 40 anos. Não importa quem entre ou saia, é putaria grossa, o poder é imundo e corrompido, aliás, mais que isso, é apoiado é no crime, e quem não enxerga isso não passa de otário de carteirinha. Mas que venha essa data porca, data digna de heteras engravatadas: pelo menos ficaremos livres dessa propaganda diarreica (é) e fétida, digna de gente corruptível, que gosta de chafurdar no pântano podre do Sistema movido a crime. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, e que a restrição já vai totalizando 876 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 421 dias...