sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Manoel e Maria consideram o “voto Tiririca”

Frederico Mendonça de Oliveira

“Um milhão, trezentos e tal votos, ó pá! É o segundo deputado mais votado no Brasil desde o admirável Enéas, que os bufos mijados da mídia hetera chamaram de ‘nazista’, saindo até ilustração do grande mestre Cássio Loredano, em deslize lamentável... mas é imprescindível pensar nos significados que envolvem a extraordinária marca alcançada por um palhaço vulgar do presente, pobre beldroegas alçado a ícone dimensões nesta Pindorama”, discursa Manoel exercitando sua oratória um tanto enferrujada pelos tempos de silêncio forçado sob os bostejos dos postulantes às tetas da mãe República. E a formosa e abundante Maria não deixa passar o mote, e parte para uma glosa mordaz e anavalhada: “A imprensa hoje, cloaca a que se resumiu uma instituição de séculos, usa aspas na palavra nacionalista, como se isso fosse deslize, deformidade, o que vem a rimar com o que teria proferido Samuel Johnson em sua frase tão abrangente quanto vaga: ‘O patriotismo é o último refúgio dos canalhas’. Então, é no mínimo um belo pum isso de os jornalões e a TV nem promoverem nem desancarem Tiririca, registrando defensivamente os fatos e evitando posicionamentos. Chamarem Enéas de nazista é torpe, imundo, especialmente porque encarta valores outros, subtextuais, que os besteirões que lêem, vêem e ouvem imprensa não entendem – mas engolem, incorporam, introjetam”, avalia nossa fornida heroína. E Manoel, contemplando sua deusa, considera consigo: “Parece as imagens da mitologia, lembra as mulheres das pinturas de Renoir, mas está viva e, mesmo pujante e avantajada, enxuta!”, e ainda fala em si, entre os dentes de sua mente tomada de ternura, que “Quem gosta de caniço é pescador”, lembrando-se da tão badalada Gisele Bündchen, esta criatura tão cortejada quanto pobre de carnadura, sem contar o nariz grosseiro, que perto do de Maria parece uma inesperada batata doce, destoando de uma linda cerejinha... “Eu diria que aquilo é Gisele Sem Bündchen... e não entendo como brasileiros, em cuja tradição se finca a adoração à beleza e grandeza da bunda, podem eleger tal criatura, assemelhada estrangeiras retilíneas, a tal grau de admiração, com teores de endeusamento... Eu, hem!” Enter.
Bem, nossos heróis vivem seus dourados momentos no aconchego, no sacrossanto recesso de um lar produtivo, e se dão o direito de pairar acima dessa patacoada em que estrumadas e flatulências verbais dos candidatos empestearam por meses, atrozes meses, o éter do arraial já em franca decomposição, como de resto a republiqueta das bananas e o pobre e já claudicante planeta dos macacos. E Maria, recebendo em seu farto colo o gato, solfeja: “Quer dizer que não podemos mais amar a pátria sem virar canalhas, que não podemos mais ter nação sem virar nazistas?? Bem, se não estou derrapando para reducionismo ou generalização, que pretendem os que cunham tais falas, que soam como cornalgias ou ginglimalgias cotovelares, cubitais, tão específicas ou amplas se apresentam, associando cu com bunda...”, e nossa heroína logo se sente incomodada e emenda: “Bem que eu poderia amenizar os termos, como ‘ânus com nádegas’, para contornar um turpilóquio... mas que turpilóquio pode ser maior que um discurso de um engravatado congressista, mesmo que sem qualquer escorregada para o chulo tão presente nas falas daquele Ciro do Ceará?”, repensa Maria, concentrada com os olhos espetados no éter, como disse Machado sobre o Quincas Borba. E o gato se lambe, lambe a pata e passa elegantemente pela linda cara, com uma religiosidade que fecha com o torso ereto de nossa heroína, e Manoel bosteja um “ingrêis”, como dizem os arraialeiros dessas montanhas não escarpadas: “Although not many dogs have style, cats have it in abundance”..., “e dlim e dlom”, como Guimarães Rosa finalizou a respeito de um esquilinho: “... e já de ah subindo p’la árvore de jequitibá, de reta só assim esquilando até em cima, corisco, com o rabãozinho bem esticado para trás, pra baixo, até mais comprido que o corpo – meio que era um peso, para o donozinho dele não subir mais depressa do que a árvore...” Enter.
“Fazer o quê? Se Tiririca chegou a tal marca, ó Manoel, isso pode ser um sinal vital de um eleitorado novo, aguerrido e abespinhado em resposta radical a uma estrutura achavascada até o rés do chão, à sarjeta da História, que é o que vemos e vivenciamos”, engrena Maria, cantando seus inexistentes pneus. Ou peneus, como diz o Galvão Bueno. “Hão de tachar como atitude de boçais, de gente identificada com a dimensão do palhaço, de congêneres e assemelhados do festejado histrião. Pode, admitamos isso. Mas, conscientes ou não, refletidos ou não, racionais em seu gesto ou não, ocorreu mesmo foi voto-antídoto ou voto-veneno, uma curiosa manifestação de coerência através da incoerência, de afirmação usando negação, e não se pode descartar a relação fatal disso com a escatologia planaltina em décadas: uma escandalosa e superlativamente escrota palhaçada destroçando o Congresso e as instituições essenciais da arquitetura de poder. ‘Se é assim’, diriam, ‘elejamos um palhaço profissional, assumido’, que se mostrou impagável em seu humor, aliás sua possível consciente ironia quando propôs, em slogan de campanha: ‘Vote em mim, pra eu ajudar minha família’, uma bela escarrada, sonora bofetada nos que aberta e criminosamente praticam o nepotismo nas barbas do povo trabalhador sofrido. Não há como condenar a gigantesca votação alegando ser ela estupidez coletiva, já que até explode como contundente metáfora. Isso é muito diverso de considerar ‘Eguinha Pocotó’ manifestação cultural, como cometeu nosso ex-ministro da Cultura ante um contingente boquiaberto de pensadores e resistentes”. Enter.
“Agora ELES terão de engolir o próprio veneno, os fimícolas que chafurdam no cagalhão em que foram transformadas – aliás, por eles mesmos! – as instituições essenciais de uma nação. ‘Nação??’, ora, olha só, que eu viro nazista!, ó Maria, metendo-me a falar em nação!, e viro canalha se valorizar nossos conteúdos pátrios!”, ironiza Manoel incendiando o semblante da amada, que o fita com ponteagudos olhos castanhos perspicazes e divertidos, considerando a pachouchada que move esses cordéis esmerdeados levando países e planeta ao desfecho do Armagedon. Enter final.
“’Vote em Tiririca: pior do que tá não fica!’, eis uma tirada genial se considerada a gratuidade e a vacuidade vomitadas em slogans ultrabatidos de candidatos tão abundantes como estranhos a todos, horda de hienas sorridentes ou de ilustres bonifrates, ou de jagodes notórios, de pelintras consagrados, e mais um monte de bobões espertos que nessa assomaram sonhando escapar de sua atual titica existencial. É: atrás do bufão veio chusma de ex-famosos; uns, artistas; outros, esportistas, todos hoje no ostracismo e loucos por sair da merda ingressando na grande mamata, e o grande golpe é virar, todos, “parlamentares”, claro. Mas só Tiririca chegou lá, e em grandíssimo estilo. O resto dançou feio. Eis a lição: só um palhaço autêntico seduz o brasileiro radical, mesmo que radical em sua ignorância, em sua pequenez. Mas, jamais, sujo por mentir durante 25 anos e depois trair porcamente o País. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!

Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, e que a restrição já vai totalizando 890 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 434 dias...

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergiomalbergier/811070-deixem-o-palhaco-legislar.shtml