Frederico Mendonça de Oliveira
Ei, você! Vá sorrir pra você mesmo no espelho, bobão! Vamos parar com essa ditadura de sorrisos imbecis a torto e a direito? Será que ninguém tem mais cara, cacete, só tem dentadura alva colgate e alvar para ficar jogando na cara de todos? Já se vão anos que essa estupidez generalizada e instituída vem incomodando quem ainda tem miolos dentro da cabeça. Lembro de uma edição de um jornal que faz anualmente uma festa que destaca os melhores da cidade em todas as atividades. De mais de cem fotos, umas cinco apenas mostram alguém sem exibir sorrisos banais e vazios. Mostrar os dentes virou a forma de todos se exibirem felizes como uma mistura de coisa com coisa nenhuma. Em outro evento nesse mesmo local, em Minas, um global famoso – vazio como um penico pendurado em porta de armazém de secos e molhados na década de 50 – aparece em cerca de cem fotos. Em todas, exibe a mesma fuça estúpida e um sorriso abotoado nela como se tivesse congelado os músculos chamados “risorius de santorini” (essa eu aprendi na escola, em 1958), responsáveis por arreganhar os lábios e mostrar a mobília dental. Parecia um boneco de cera posto ali, e as moçoilas e senhoras – e até alguns valetes meio pra bibões – fizeram extensa fila para posar ao lado do bonecão. E o mais interessante é que isso é a realidade hoje: sorrisos, sorrisos, sorrisos, todos sorrindo, todos de dentes perfeitos sorrindo com suas canjicas incrivelmente saudáveis – e um vazio de cabaça naquilo que deveria abrigar um cérebro capaz de pensar, não de apenas obedecer e sorrir, sorrir e obedecer. Enter.
Passando por uma porta de casa de empréstimos, algo assusta: Lima Duarte e uma senhora pelos setenta num banner, abraçados, empastados de maquiagem e produção, sorriem para você em tamanho natural. Chega a dar susto e medo na gente. Esses sorrisos diabólicos convidam o otário (g)lobotomizado a se encalacrar para comprar mais porcarias para sua porcaria de casa e de vida. Vem-me à lembrança o dia em que uma ex conseguiu levantar uma grana e levou nossa filha pra comprar uma tevezona de cristal líquido, tela plana, o diabo. Como se fosse um grande salto na vida, isso! Pode até ser um salto, mas no abismo... porque disso virá, seguramente, retrocesso mental e espiritual. Ver lixo em tela plana de cristal líquido pode levar a quê? Pois dessa bendita coisa saltarão por dia dez, cem mil sorrisos, talvez para compensar a violência que jorra como vômito do vídeo em sua vida. As estatísticas, veja, são aterradoras: pesquisadores permaneceram 114 horas e 33 minutos diante da televisão, acompanhando programas da Globo transmitidos no Rio Grande do Sul. O resultado: naquela semana, a Globo exibiu 244 homicídios tentados ou consumados; 397 agressões; 190 ameaças; 11 sequestros, cinco crimes sexuais com violência ou ameaça, 26 crimes sexuais de sedução, 60 casos de condução de veículos com perigo para terceiros ou sob efeito de drogas, 12 casos de tráfico ou uso de drogas, 50 de formação quadrilhas, 14 roubos, 11 furtos, cinco estelionatos e mais 137 outros, entre os quais torturas (12), corrupção (quatro), crimes ambientais (três), apologia do crime (dois) e até mesmo suicídios (três). Como compensar, equilibrar, reparar isso? Enter
Eles, os que mandam na gente, conseguiram o meio de “tornar o mundo melhor”: sorria, bestalhão! Sorria, otário! Seus dentes estão nos trinques? Então vá sorrir por aí, panaca! Cartazes, revistas, TV, jornais, panfletos, anúncios pra todo lado, em tudo tem gente sorrindo e mostrando suas canjicas, como se o sorriso garantisse a felicidade do completo vazio interior. Caramba! Conseguiram esvaziar os seres através de fazê-los exibir seus dentes e gengivas. Isso já chegou ao plano do porre! E é fundamental que se sorria, porque assim se elimina a possibilidade da fisionomia, que pode trazer o risco de expressar pensamento... e então tudo se difundiu como praga depois de qualquer mané ou patricete poder fotografar, e daí o sorriso virou uma doença social, que nem à dimensão da hipocrisia chega: fica no nível da alienação, da autoanulação, do subdimensionamento dos andróides a uma pantomima neutralizante, esterilizante, burrificante, e todos chafurdam nessa titica achando tudo lindo e todos lindos, como se o mundo se tivesse transformado no planeta da alegria estabelecida. Como se sorrisos simiescos significassem alegria ou qualquer outra coisa: mostram apenas concordância bovinóide com uma realidade em convulsão e um futuro de perspectiva aterradora... basta pensar no tsunami no Japão, vendo toda aquela matéria sendo levada como lixo reles pela força da água... e todos aqueles carrões virando matéria retorcida e imprestável. Sorria, bobão! Enter.
Alguém já viu alguma imagem de gente capaz sorrindo? O Cristo aparece sorrindo em alguma imagem? A maioria esmagadora das fotos de grandes artistas da era vertical de Hollywood expõe os ícones da tela mostrando a realidade de suas fisionomias. As fotos eram eloquentes, mostravam vidas vivas, não essa vacuidade álacre de propagandetes de creme dental... Enfim, chega de vazio de dentições saudáveis, caramba! Como dizia minha avó, “Muito riso é sinal de pouco siso!”... Sacou, mano? Enter final.
E João Gilberto chegou aos 80. Seguramente você não sabe quem é. Mas como sei, e como o que resta vivo desse país estrepado sabe, vai um comentário: eu não gostaria de estar na pele dele. Deve ser bem desagradável ver o que está aí depois de ele permitir que crescêssemos propelidos pelo som do mais importante músico popular brasileiro (ao lado de Tom Jobim) de todos os tempos. É duro, é feio chegar aos 80 sabendo a desacontecência musical reinante. De qualquer forma, valeu, João. Você deve chegar aos 100. Mas volta pra Juazeiro, irmão. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar: estamos sob censura desde 11/04/08, aliás mantida por Gilmar Mendes, e a restrição vai totalizando 2023 dias. Abraço pra turma do Estadão, há 677 dias também sob mordaça!