sexta-feira, 19 de março de 2010

Manoel e a loucura generalizada por aí

Frederico Mendonça de Oliveira

“É botar o nariz na rua e lá vem loucura de todos os lados. E mesmo sem sair de casa corremos o risco do mesmo jeito, perigando até ser pior. Basta ligar a TV aberta ou o rádio, por exemplo”, comenta Manoel, ao chegar de uma ida ao centro, com sua lindamente atenta Maria. É que nosso herói precisava de uma nova boceta para moedas, já que a que ele comprara há pouco tempo rebentou-se toda como por encanto. Foi-se o zíper, e as costuras da parte inferior desfizeram-se todas. Aí ficam saindo as moedas e caindo no bolso. “Que ‘grande problema’, isso, grande merda, é só comprar outra. Mas agora o problema é ACHAR outra: não se acha mais em lugar nenhum neste arraial! E uma caganifância dessa dimensão fica alugando o tempo inteiro, basta precisar meter a mão no bolso”. Passando por uma loja que vende só acessórios e bagulhinhos pra mulher, nosso herói é atendido por uma biba distante e desinteressada. Pior: justo ali, no espaço da prateleira onde se encontram as bocetinhas, bate a ventania de um ventilador imenso, e o cliente fica se descabelando e tomando aquele puta pé de vento, além de aturar a má vontade da biba. Conseguindo olhar o que tinha ali de bocetinhas, um monte de porcarias empetecadas com lantejoulas, paetês, vidrilhos e o cacete, Manoel logo tem de se pirulitar do pé de vento e da má vontade do baitola. Enter.
Já meio chamuscado desse fato, Manoel toma o rumo de casa, embora tendo previstas escalas antes de bater em retirada mesmo. E ao passar por uma esquina em que fica uma loja de bagulhos pra mulher, Manoel resolve arriscar achar uma boceta. Entra na loja e faz uma busca pelos incontáveis setores, até que dá de cara com um stand de bolsas e meias bolsas, bolsinhas tiracolo, carteiras... e é surpreendido por uma sirigaita com um sorriso sardônico revelador de vazio mental e espiritual. E lá vem a maldita pergunta: “Posso ajudar em alguma coisa?”, e Manoel ferve por dentro, por ter sido interrompido quando, em paz, já constatara não haver bocetinha nenhuma ali. Sereno mas contrariado, Manoel encara a mocréia e assunta: “Pelo que vejo, bolsas ou bolsinhas para moedas só seria aqui nesse stand, não?”, ao que a metediça responde: “É, é só aí...”. Embaraçado com aquela presença incômoda – ele não pediu ajuda a ninguém, porra!, porra!, pra que vem essa intrujona perguntar a MESMÍSSIMA MALDITA PERGUNTA lançada a qualquer pobre infeliz que entre em QUALQUER MALDITA LOJA NESTE MALDITO PAÍS? E o pior é a cara estranhamente amistosa quando a situação é de assédio ao pobre cliente que quer unicamente ter o direito de fuçar atrás do que precisa E NÃO QUER MERDA DE AJUDA MERDA NENHUMA DE DIABO DE NINGUÉM!! “O pior é que essa infeliz está fazendo o que mandam pra ganhar seu salário merreca, e sabe-se lá que tipo de relação entre patrões e empregados rola numa loja dessa natureza, onde quase toda a mercadoria é para suprir desejos fúteis, sem nada de inteligente...” Então nosso herói resolve trocar uma idéia com a pobre delambida, e cuidadosamente pergunta: “Por que fazem essa pergunta ‘Posso ajudar em alguma coisa?’ em simplesmente toooooooooodas as lojas onde se entra?”. A boboquinha se desconcerta, absolutamente sem condição mental pra responder a um questionamento inesperado e que a obriga a usar o cérebro – devidamente cooptado pelo sistema e com a função definida de não ser usado, de não funcionar. “Não, é que... a gente só quer ajudar... e...” – ao que Manoel considera: “Mas o freguês pode querer somente entrar na loja pra ver as coisas, sem qualquer compromisso, e, quando a vendedora vem perguntar isso, ela atrapalha, porque quem quer ajuda pede! Eu, por exemplo, não estou com pressa, e queria achar uma coisa por mim mesmo, sem ajuda. Se eu precisasse de ajuda, pediria. Eu entrei aqui, verifiquei que não tinha o que eu queria e ia saindo normal. Seria melhor, mais leve, eu não precisaria falar com ninguém nem me explicar, nem ter de me esquivar de receber ajuda.”. Aí a tchonguinha entrou numa de ter razão: “Mas o senhor pode ficar à vontade...”, e Manoel pondera: “Eu ESTAVA à vontade, não precisava SER DEIXADO À VONTADE, entende? Se você me aborda na loja quando eu estou concentrado na procura do que quero e me pergunta se pode ajudar, já me deixou embaraçado. Se eu digo que não preciso, você diz “fique à vontade”, mas eu já não estou mais à vontade: estava quando fazia o que queria, agora estou fazendo o que você quer. Mas ficamos assim. Muito obrigado.” Enter.
Pois Manoel sai meio sacaneado da merda de loja de bagulhos, sacaneado por ter, talvez, embaraçado a pobre infeliz. “Afinal”, ele considera, “a pobre está na batalha; mas esse procedimento comum no comércio hoje revela algo de deformidade geral. Será que os compradores compulsivos – e eles seriam oito em cada dez – são excitados por essa pergunta cínica e aí se realiza o ato do consumo compulsivo, patológico, consumando a satisfação de uma carência?”, e lá vai Manoel passar pelo supermercado, e lá vêm mais loucuras. Basta olhar para os seres se ocupando com consumir, um ato a cada dia mais carregado de uma dependência doentia... e logo nosso herói pega do que necessita e se manda rapidinho dali, deixando para trás a irracionalidade passeando no afã de saciar desejo de consumo. E Manoel sai pra rua lembrando ter visto lá vários seres com camisas listradas, umas parecendo zebras; outras, mandruvás... Enter final.
Pois Manoel topa com o amigo, nosso velho conhecido, e ele revela algo interessante. Um outro amigo, um brincalhão, chegou de visita e soltou uma bombinha no espaço em litígio que confina com a casa do amigo de Manoel. Pois foi admoestado por um morador a quem foi delegada a tarefa de capataz/síndico do pedaço. Outro dia, outro morador passou uma tarde com netos soltando bombas no mesmo lugar, e isso pode. Se é algo relacionado com o amigo de Manoel ou outrem ligado a esse amigo, aí não pode. “Loucura generalizada, eis o que vivemos. E aí, você: posso ajudar em alguma coisa? Não? Então fique à vontade...” E viva Santo Expedito. Oremos. Bye, babes...