sexta-feira, 17 de julho de 2009

Manoel e a Terra do Nunca

Frederico Mendonça de Oliveira

Em sessão de recordação de sua infância, Manoel reconsidera coisas sobre o que não havia parado para pensar. E repensa muitos detalhes que ficaram intocados em seu subconsciente mesmo sob a grande pressão da entrada da adolescência e o ingresso na idade adulta. Soterrados por injunções e novas conjunturas que exigiram tomada de posição em plano crítico, eis que os símbolos e conteúdos assimilados na infância agora afloram em chafariz, e Manoel se vê às voltas com referências que na verdade o desviam da realidade – e ele nem tinha consciência disso... até que uma olhada no Kibeloco lhe sacudiu as referências. Enter.
Começou essa onda quando uma bela criatura ainda teen lhe chamou a atenção para um tombo do Caetano. O vate baiano fazia um show para otários não se sabe onde, e esse show foi filmado de alguma forma, até cair no divertido blog de curtição com a cara dos famosos. Manoel, que foi muito amigo de Cae em meados da década de 70 e que até esteve com o cantor em 1997 para lhe entregar o livro que escrevera sobre o pianista Tenório Jr., amigo querido de ambos, não pôde conter as gargalhadas quando viu o estabaco do velho amigo. Não é aquela coisa do Voltaire, que avaliou a condição humana através de observar que, ao ver uma pessoa levando um tombo, o diabinho que mora em nós se diverte logo, ao passo que o anjinho também nosso hóspede se demora algum tempo para socorrer o acidentado. Mas até vale encartar isso, uma vez que pode ser genérico, e Voltaire não era um pensador que emitisse conceitos pelo rabo. Acaba é que todos, mal ou bem, nos reconhecemos no exemplo acima... e que a perda de equilíbrio tem sempre seu conteúdo ridículo. Pois o que levou nosso herói ao solo não foi nada além da enorme léria que prossegue ocorrendo sob a influência dos globalizadores, e isso pede parágrafo especial. Enter.
Que diabo foi o “fenômeno” Michael Jackson? Um produto bem trabalhado pelos venenos do marketing? Uma ocorrência cármica igual a tantas outras, em que um ser humano é deificado a ponto de gerar romarias de adoradores e de “fiéis”? E que diabo de Neverland é aquilo, um lugar como outros tantos mas que vira um local sagrado para.... otários? Pois a partir dessas digressões Manoel volta a outra Terra do Nunca, a do Peter Pan, e reconsidera que suas práticas no território de Onã muitas vezes teriam sido inspiradas pelas lindas pernoquinhas nuas – ah, aquelas coxinhas rolicinhas!...- da fadinha Sininho, que era apaixonada pelo valente e estúpido Peter Pan, assexuado e fantasioso, na verdade um veneno para crianças. Pois Peter Pan e Michael Jackson têm muito em comum: nenhum dos dois queria saber de crescer (Jackson morreu infantil aos 50 anos...), não se interessavam realmente por fêmeas e eram cheios de truques. E, na esteira dessa associação de Jackson & Pan, Manoel topa com o universo Disney (José Guinao de batismo), que tanta merda rala lhe enfiou na cabeça e na alma. Personagens como Pato Donald e Mickey – que não se uniam devidamente a Margarida e Minie, ficando a relação sempre no ar –; Tio Patinhas, um Rockfeller desprovido de qualquer sombra de afetividade ou libido; e mais o Pateta, homem-cachorro aludindo aos negros, ops!, afrodescendentes americanos, lhe vêm á mente como ícones de referência intangível, como parâmetros, e de tudo aflora uma incrível perplexidade. Como se pôde enfiar tanta titica em tantas mentes e tantas searas culturais de tantos povos, e isso não ter sido até hoje sequer questionado? Realmente, uma terrível minoria maligna, um câncer que assola a vida dos povos, responde por quê. É que o projeto era transformar, através do cinema, das revistinhas em quadrinhos, do rádio e depois através da TV – este o instrumento de maior poder de devastação já conhecido – o mundo em uma Terra do Nunca, ficando para eles, os conquistadores, depois de subjugada a Humanidade, a Terra do Sempre. “Eis o que se pode chamar de verdadeiro “ardente nacionalismo tribal”, conjetura Manoel a respeito dos filhos de Mefistófeles e de Babalon, entrando nisso, em participação especial, Baphomet, enquanto Maria chega toda feminina, cheirosa e linda trazendo-lhe um segundo cafezinho para esquentar o dia de inverno. “Que porra de Sininho cacete nenhum!”, decide Manoel, que cresceu de verdade e se dirige para uma velhice lúcida e digna ao lado de sua verdadeira fada, Maria, em comparação com quem qualquer criação da Disney não passa de safada qualquer. “E pensar que engoli tanta porcaria vida afora!”, considera. Enter.
Reavaliando tudo isso, Manoel retira como que cirurgicamente de sua mente esses resquícios de valores não cozidos, não digeridos, apenas introjetados por força da máquina de burrificação que envolve o planeta desde tempos imemoriais e que é manejada pela já citada minoria demoníaca obcecada por dominar a Humanidade e submetê-la a seus pés. E a Terra do Nunca se desfaz em fumaça, levando para a lixeira os Disneys de ontem – os de hoje são inaceitáveis, e só servem para literalmente foder com a cabeça da criançada, como Xuxas e que tais – e os Michael Jackson de hoje, debelando a ação bacteriana e viral dessas fantasias estúpidas. Enter final.
Pois tem Caetano de volta: quem quiser ver a cena, basta buscar no Kibeloco “o tombo de Caetano’, ou “o estabaco de Caetano”. Ele cantava para um bando de estúpidos sua chatérrima composição Força Estranha, e os babaquaras babavam diante disso como se assistissem à aparição de Santo Expedito, e essa sessão de oligofrenia acabou virando tombo. “Metafórico, isso!”, pensa Manoel, por sinal experimentando alívio ao verificar que o amigo nada sofreu. “Muito bem, muito bem: a força estranha se manifestou jogando o cara embaixo, pois aquilo tudo era um episódio sobre o que outro baiano, Gregório de Mattos, consideraria como “Tudo somado é nada!”. “E o Brasil, este lugar malfadado, é a verdadeira Terra do Nunca!”, pensa Manoel: “nunca melhora, nunca vence a pobreza, o analfabetismo, a fome, o tráfico e a guerra civil, nunca se livra da corrupção, nunca alcança a maioridade como nação, nunca vira país!”. E assim Manoel queda, consolado por sua Maria, anjo. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!