sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Manoel de volta e a louca no mundo árabe

Frederico Mendonça de Oliveira

“Voltar ao Brasil depois de semanas bem vividas na Santa Terrinha até assusta! Parece que despencamos em outro universo, onde o ser humano desceu a profundezas tenebrosas. Imaginem se em Trás-os-Montes se veriam essas bestas em lojas perguntando como asnos essa cretina ‘Posso ajudar em alguma coisa?’, como agora é coqueluche no arraial e alhures!”, comenta Manoel, que também não consegue entender motoristas agora darem passagem a pedestres numa cortesia mais para demência do que qualquer outra coisa. “Vão fazer cortesia com o raio que os parta, seus pongos! Se fosse cortesia mesmo, não seria modismo entre caipiras ridículos e ignorantes! É como restringir o pátrio poder, levando a criança a um estado de imponderabilidade que também vai enlouquecê-la, como no caso da mãe que tentava numa lanchonete fazer a filha comer um salgado e que levou um bofetão no rosto e teve de aturar, porque não se pode mais bater em crianças! ‘Raça de víboras!’, como dizia o Cristo...” Nosso herói entrou em loja de celulares, onde pululava um monte de bibas atendendo solertes os consumidores babosos, e eis que logo uma rapariga tola pergunta: “Posso ajudar em alguma coisa?”, ao que Manoel, meio atônito, respondeu perguntando: “Por acaso lhe pareço deficiente ou incapaz de tomar a iniciativa de escolher o que quero?”, e a paspalha se fechou em copas como se ofendida, quando na verdade o ofendido é o babaca feito de otário a quem os vendedores se lançam como tubarões ávidos por vender, por enredar. “Cambada de bundas-sujas, macacos sem rabo, objetos vestidos, instrumentos de monstros capitalistas! Vão pro inferno, estúpidos assumidos!”, comenta Manoel com sua linda Maria, que se diverte com o surrealismo a que seu consorte reage inocentemente, como se isso não fosse algo já completamente instituído e de que advirá um patamar ainda mais degradado, claro. E a linda Maria, levando pra galhofa, propõe: “Por que não perguntas tu, ao entrar na loja, ‘posso ajudar em alguma coisa’ ao primeiro atendente que se aproximar? Tente isso, pode funcionar!”. E assim foram os dois para outra loja, para adquirir uma agendinha e uma balança caseira: a agenda, para o ano letivo de Maria na faculdade; a balança, para Manoel não ser tapeado sujamente como foi há dias, tão logo chegou de Portugal e foi matar as saudades da feira de domingo no arraial. Entraram na loja, e Manoel logo deu com uma atendente lourinha e perguntou a frase cretina. A menina ficou abestalhada, mas riu logo, entendendo que foi lindamente surpreendida. E a manhã ficou mais azul. Enter.
“Bem, ó Maria, essa história do Egito e essa agora da Líbia, isso me cheira a conspiração internacional para botar o mundo árabe na berlinda e conflagrar a III Guerra Mundial, que será a tentativa de esmagamento dos que se opõem ao poder do Império. Quer dizer: os Conquistadores do Mundo lutam pelo domínio planetário há milênios, e odeiam todos os países que resistem mantendo suas culturas vivas. O mundo árabe é um centro onde cultura e religião são milenares também, mas a eles só cabe viver dentro de suas tradições e hábitos, e a Coca Cola já se cansou de não ser aceita por lá. Os ocidentais querem levar para o mundo árabe a estupidez da era do automóvel, a pornografia, a licenciosidade, a depravação, querem coisificar a mulher e gerar o consumismo desenfreado, para que os cofres dos bancos dos Conquistadores se abarrotem com a boçalização do Oriente Médio.” Maria ouve calada e atenta, considerando o quadro que se vai desenhando na Líbia, em que Kahdaffi aparece como ditador por estar há 40 anos no poder – mesmo que apoiado massivamente pela população, que não o deixaria lá não fosse ele um líder de algum modo afinado com seu povo. E considera: “Bem, e o que resulta de períodos de governo de quatro ou cinco anos, que agora se dilatam através de reeleições, em países como esta desgraçada Pindorama? Aqui tudo se deteriora em ritmo vertiginoso, desde instituições as mais essenciais até o simples cotidiano do povo, e vão embora o idioma, a moral, os costumes, destroem-se os valores, a corrupção campeia louca... é isso que se pretende instalar no mundo árabe?”, pergunta Maria a seu apaixonado Manoel, quedado em reflexão sombria. “Pelo que tenho visto através da imprensa do Império – e não temos opção, é o que chega a nós –, parece que vejo o Cristo ao lado de Barrabás, o salteador, e a multidão berrando por soltar o bandido. Quem acionou aquilo senão agitadores mesclados à multidão? A multidão é cega, e os agentes do Império estão mobilizando reações de multidão, em que o dedo invisível aponta para um rumo e todos correm bestamente para lá. Isso me lembra o ‘fenômeno’ dos caras-pintadas brasileiros no tempo da defenestração do Collor, aquela pantomima de mauricinhos e patricinhas de colégios de elite sendo mostrados pela Globo como sendo movimento popular de juventude... e até desconfio que aquilo não passou de um teste de aplicação bélica de aparelho de comunicações para causar efeito político interventivo. Aqui deu certo para os intervencionistas... e agora acontece aquele pau pra lá e não sabemos de que lado vem a ‘revolta’, ou se isso é orquestração para demonizar a cultura árabe perante o mundo.... Enter final.
“Pois é fato que os EUA apoiavam o regime do Mubarak, e quando ele ficou mal das pernas por pura deterioração do esquema de poder os gringos logo tiraram o apoio. Obama e caterva, aliados à elite e aos burocratas corruptos da autocracia egípcia e o establishment euroamericano, estão querendo é se livrar apenas de Mubarak e tudo voltar ao ‘normal’. E a poeira está baixando por lá. Os militares já vão ficando no poder. Como dantes, ó linda!”. E o casal já se reorganiza no arraial, onde a festa da corrupção prossegue em paz, sem novidade nenhuma senão aumento estratosférico de salários para os políticos e a visão patética dos poderes conluiados como bando de hienas devorando a carne da vítima. Os gatos do casal se comportaram como gente grande na ausência dos donos, não são como os pongos do arraial, horda de loucos de pedra criando cães e gerando o inferno de latidos coletivos – especialmente durante o “horário nobre”, que é quando os cães estúpidos mais latem em cadeia – tanto quanto explicitando instintos bárbaros, a cada dia mais agressivos. “As tatuagens se alastram nos corpos dos bugres, todos parecem marginais, vestidos como corsários, dá medo e espanto: as mulheres aderem a tatuagem sem preocupação com ridículo ou recato, parecem umas perdidas! Será que as ‘revoluções no mundo árabe’ visam também despir as mulheres das vestes tradicionais e transformá-las nesse lixo que são as ocidentais?”. E Gaddafi balança na Líbia, perdendo o apoio dos chacais ocidentais, e vamos esperando pra ver no que dá essa patacoada. “Que dê em radicalização islâmica!”, sonha Manoel, com música árabe rolando nas veias, como seus ancestrais. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar: estamos sob censura desde 11/04/08, aliás mantida por Gilmar Mendes, e a restrição vai totalizando 1018 dias. Abraço pra turma do Estadão, há 574dias também sob mordaça...