quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Manoel, Tiririca e o fio da meada perdido

Frederico Mendonça de Oliveira

“Ó Maria, tu não terias votado às ocultas no Tiririca, sei que não é teu feitio. Mas muita gente fez isso. Sendo secreto o voto, muita coisa acontece que acaba surpreendendo depois... Será que todos os milhão e quatrocentos que votaram no palhaço revelaram sua intenção? Sei lá... Lembro-me de um candidato a vereador num arraialito próximo a este que, depois da contagem de votos, verificou ter tido apenas UM, o dele. Nem a mulher nem os filhos – que dirá amigos ou outros – votaram nele!... Na segunda-feira depois da apuração vi o pobre subindo a rua principal do arraial, semblante arrasado. Exibia isso publicamente, manifestava-se deprimido convicto. Pois a ‘mulher pera’ (ou a ‘melão’, uma das duas) não teve um voto sequer; então nem ela teria votado em si!”, fala divertido Manoel, sob o olhar atento e prenhe de sua Maria, envolvida com seus papéis de estudo. Enter.
E Manoel prossegue em solilóquio, ferino para com o cenário surrealista que se nos apresenta: “Mas a coisa agora entrou em outra dimensão: passado o impacto da votação de quase milhão e meio no palhaço, agora vêm a ‘justiça eleitoral’ e as outras ‘justiças’ querendo brecar o ingresso do infeliz na ‘vida pública’. Não o querem ‘parlamentar’, pelo que vemos. E o Estadão publica essa belezoca, pasmem todos: ‘Segundo ele (Tiririca), os anos de atividade circense causaram lesão que dificulta a aproximação do dedo indicador ao polegar. A confissão de Tiririca confirma laudo do Instituto de Criminalística, elaborado a pedido do promotor eleitoral Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Peritos do IC concluíram que o autor dos manuscritos examinados possui uma habilidade gráfica maior do que aquela que ele objetivou registrar ao longo do texto da declaração. No dia 1º deste mês, o promotor apresentou à Justiça pedido de cassação do registro de Tiririca sob a acusação de falsidade documental e ideológica’. Ora, pois, quanta fanfarronice institucionalóide, parece uma ressaca depois do porre eleitoral com que o palhaço e a população brindaram a história recente deste covil de safardanas que virou o edifício político brasileiro e a arquitetura de poder em geral, em todas as dimensões e instâncias! Que confa! O palhaço afirma que tem dificuldade de aproximar polegar do indicador por causa de lesão. Os caras dizem que não? Qual é, afinal?? E veja bem, ó Maria, tem mais merda debaixo desse tapete. Afinal, a consagração do Tiririca é uma contrafação feíssima para o sistemão que está armado aí...!”. Maria remexe em seus papéis de estudo, recompõe os coxões cruzados, respira fundo pensativa e prossegue atenta. Enter.
“Ora pois: por que só depois de o palhaço lavar a égua no pleito os ‘técnicos’ nisso e naquilo vêm trêfegos investigar isso e aquilo? Por que não investigaram no ato da inscrição do cara? Por que não puseram em dúvida a capacidade dele antes de rolar o processo eleitoral? Todos dormiam? Agora, quando até os gringos globalizadores no Exterior caem de pau fazendo galhofa com a sensacional vitória do palhaço e do que isso estampa como síntese de cena política no Brizêu, os ‘defensores da lei e dos valores democráticos’ querem varrer de cena a vergonha. Sim, a VERGONHA: tantos professores, tantos juristas, tantos jornalistas, tantos estudiosos, tantos artistas da pesada, todos socados em empreguinhos e em instituiçõezinhas de merda lutando pra ganhar uma miséria de sobrevivência poderiam se habilitar, e justamente os apedeutas de estádios, de circos televisivos e de palcos da miséria sonora e da mídia estupidificante se apresentam pra representar a população brasileira!... O que salta aos olhos é que os bons citados acima não ousam tentar ingressar no dantesco meio político por se sentirem incapazes de navegar em águas tão imundas e tétricas... Aliás, não foi o maestro petista quem disse que o que interessa é o jogo do poder, não a ética? Se é assim, os bons e os capazes fogem disso. Não querem meter a mão na merda, como disse outro global em fala combinada à do tal ‘maestro’. Se o Martin Luther King disse que ‘O que me preocupa não é o grito dos maus. É, sim, o silêncio dos bons’, não significa admitir que só existam maus e bons. A meu ver, linda, existem maus operando, maus quietos e só na espera de oportunidades – e esses são muitos, muitos! – e maus sem iniciativa nenhuma. Também existem bons, mas não podemos esquecer certa frase lida em manual muito discutido: ‘É preciso ter em vista que os homens de maus instintos são mais numerosos que os de bons instintos’. Talvez por isso a Humanidade viva em regressão, a despeito de progressos, por sinal a cada dia mais duvidosos, como os da ciência e da tecnologia”. Enter.
Maria finalmente intervém: “Ora, é o caso de perguntar se Tiririca é bom ou mau. Ou se quem o julga agora avaliando suas condições para exercício da legislatura para que foi ribombantemente eleito é bom ou mau. ‘Quid est veritas?’, perguntou Pilatos diante do Cristo, embananado frente a uma contradição viva entre condenar um inocente por pressão da multidão conduzida por agentes e inocentar um salteador notório que a mesma multidão ‘queria’ livre. Pois o Cristo teria (usando as mesmas letras!) solucionado o enigma: ‘Est vir qui adest’, isto é, ‘é o Homem a sua frente’. Mas o diabo é que não temos hoje nem Cristo nem Pilatos, só temos judas de todas as laias, e nosso tempo não trará soluções, só catástrofes e desgraças. Estão tentando crucificar o Tiririca depois de alçá-lo – QUEM??? – a uma glória que ele não sonharia alcançar. Hoje ele é, por ação de terceiros, uma INSTITUIÇÃO, que saiu pela culatra dos que articularam isso. Por que, então, eliminar o pobre depois de o erigirem? E teremos mais um episódio de cinismo revelando a podridão geral: a sociedade se dividirá entre detratores e defensores do Tiririca, e não virá uma decisão de consenso, mas o que o dedo invisível apontar. O mesmo dedo que ‘libertou’ Barrabás. Doa em quem doer, seja certo ou errado, falso ou verdadeiro, o dedo invisível imporá o resultado”, conclui Maria entre séria e marota, convicta de estar sendo clara e muito bem entendida... Enter final.
“Pois aí está, ó linda: até lamento não ter votado no cara. Aliás, seria uma beleza TODO O BRASIL votar no Tiririca: seria o MAIOR PLEBISCITO JÁ REALIZADO NA HISTÓRIA DA PINDORAMA!, pense bem! Por isso fantasiei que poderias ter em segredo votado nele, porque isso ajudaria numa definição que o tempo, muito mais que a História, revelará como sendo a verdade! Podem esses moralistas de ocasião pular como quiserem, mas a verdade está definida: se o Brasil se tornou um circo, seria perfeito que toda a população elegesse um palhaço, ó linda! Que bufonada! Jamais Tiririca teria pensado em nos divertir com tamanha piada!!!”, exulta Manoel. Maria se mantém com semblante de Mona Lisa e considera: “Até me comichou por vão desaforo votar no palhaço – uma verdade para esse circo –, mas tu sabes que não vergo a pruridos. Mas que nos tentou a todos nós, lá no fundo, isso tentou!”. E Manoel se perde no profundo dos olhos castanhos límpidos e sinceros de sua amada. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, e que a restrição já vai totalizando 904 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 455 dias...

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