Frederico Mendonça de Oliveira
“Veja esta, ó Maria: a professora carioca levava a namoradinha de 13 anos pro motel e rolava coisa real entre as duas. Uma outra menina de mesma idade esteve nesses encontros algumas vezes, mas jura não ter participado nem ter sido alvo de qualquer interesse da professora. ‘Só olhava’, segundo ela. Bem, e agora? Vem a polícia salvar a moralidade da ‘pátria’ e são acionadas as autoridades e instituições, incluindo programas sensacionalistas de débeis mentais explorando essa titica... e daí? Até onde esse relacionamento pode produzir danos reais à sociedade ou a pessoas?”, pergunta Manoel a sua atenta Maria, mulher de alto quilate, que avalia a questão a partir de sua consciência do universo da mulher. “Eis aí uma questão para sérios estudos, ó Manoel. A meu ver, não é caso de polícia, porque a menina está aí tranquila e manifestando sua posição de forma serena e plena de convicção. Ela diz amar a professora, e isso é digno de consideração. A propósito, sai um cafezinho aí? Faço eu?”, pergunta Maria com olhar aquilino engendrando avaliações para o aprofundamento que já começa sobre um trelelê de imprensa nestes dias de lixo. Enter.
Café perfumando a copa, Maria abre: “Vamos à investigação. Veja o que diz a menina: ‘(Menor diz amar professora) A menor X., de 13 anos, afirmou que ama a professora de Matemática Cristiane Teixeira Maciel Barreiras, de 33 anos, e que vai esperar até que ela seja solta’. Bem, isso cria uma linha de avaliação. Uma pessoa, por ser menor, não tem sentimentos? E prossegue amando quem a estupra e corrompe, como acusam os mantenedores da moralidade pública? ‘Eu continuo amando ela (sic), não vou deixar de amar pelas coisas que estão acontecendo e, se for preciso, espero até ela sair da cadeia — disse a garota’. Caraco, ó Manoel, meu coração de mulher enxerga o sentimento real dessa menina! Pelo menos por agora, enquanto não balançam, digamos, a médio prazo, por pressões diversas, a estrutura emocional da menina. Além disso, não se trata de um episódio, de um fato isolado, em que uma pessoa experimentada em seduzir conduz uma adolescente inexperiente a um episódio inesperado, marcado por confusão e imprevisibilidade, coisas combinadas a espírito de aventura e transgressão de convenções estáticas, tudo típico de juventude. Enfim, não foi um incidente fortuito, algo inopinado: as duas vinham se relacionando desde maio, ou seja, tem ESTABILIDADE NA RELAÇÃO, são no mínimo cinco meses de affair! Isso tem de ser levado em conta! A firmeza da menor desmonta o espírito dos acusadores, que a querem indefesa sob a ação de um monstro deformador!... Pensando bem – e aliás pensar bem é o que mais fazemos, e o que menos fazem os brasileiros hoje, quiçá os terráqueos em sua maioria –, essa menina de 13 anos pode ser muito mais madura emocional e sexualmente do que toda essa matilha de hipócritas ladrando pela moral pública!”, fala a linda Maria com olhar ardente, sob a indignação ainda viva de ter visto um âncora, aliás notório tipo desprezível, em programa sensacionalista de TV em que acusa a professora Cristiane de crime hediondo. Enter.
A professora, segundo notícias esparsas, foi presa em flagrante, na quarta-feira, indiciada por estupro de vulnerável e corrupção de menores. Estupro de vulnerável é uma figura penal recente, de 2009, e seu texto diz: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A pena cominada para o caso é reclusão, de oito a 15 anos. Maria e Manoel se entreolham entre abismados e indignados, pois fica bem claro que a lei passa a presumir questões, sendo já em seu texto um pré-julgamento! Antes da promulgação dessa lei, a realidade era outra, como se segue: “No Direito Penal brasileiro, estupro de vulnerável é um tipo penal criado com a lei 12015 de agosto de 2009, que substituiu o antigo artigo 224 do Código Penal, que por sua vez tratava da presunção de violência. Com o novo crime, a presunção de violência passa a ser, em tese, absoluta, e não mais relativa. Enter.
“Ora, pois! Então o sentimento da menina é completamente invalidado! A Justiça, portanto, neste caso, se apodera dos conteúdos que envolvem a menina, que é, aparentemente, pelo menos, muito mais madura e lúcida que a desses guardiães da moralidade pública!...”, comenta sorridente Manoel, vendo também nos olhos vivos de sua amada a percepção da patacoada. “Pois bem!”, ataca Maria: “Esses guardiães – prefiro guardiães a guardiões; parece menos grosseiro – da moral e dos costumes não piam diante da podridão a que TODA A SOCIEDADE, SEM LIMITE DE IDADE, tem acesso através da internet. Todos podem ver tudo que quiserem, sem qualquer medida preventiva. Crianças têm, também, na TV aberta, a mais virulenta campanha diária de exibição de violência e sexo, e essas maravilhas, que brandem essa lei 12015 em defesa de uma menor mais convicta de sua posição do que eles, ficam aí arrotando, bostejando e peidando leis e padrões enquanto a menina sofre com o afastamento e com o que fazem com sua amada. Estranho, isso: parece que o que move a mãe é um tipo de ciúme, e o que move os guardiães é uma grande insegurança... e, quem sabe, bem no meio deles, rola pedofilia direto e reto, como acontecia anos atrás com aquele cônsul de Israel no Rio, pedófilo de nome Arie Scherr, que a polícia tratou de livrar de qualquer encrenca mesmo estando tudo comprovado por fotos, filmes e material em computadores... Os menores aliciados por esse cônsul não tiveram ninguém por eles. Essa lei, ó Manoel, não vigorava ainda, deve ser isso...”, fala Maria com olhar mordaz, quase sorrindo mas mantendo a linha que é seu estilo nobre de compostura fidalga lá de Torres Vedras. Enter final.
“Pensando bem, ó Manoel, é um belo romance. Esta menina deve ser daquelas como a da piada, em que uma preocupada mãe chega pra filha de 13 anos e fala; ‘Minha filha, precisamos ter uma conversa sobre sexo’; ao que a filha pergunta: ‘O que você quer saber, mãe?’. Parece que é o que acontece nesse caso: a menina deve ter maturidade muito maior que a da mãe... e deve viver com a professora uma relação muito mais real, consistente e profunda que a que presenciou entre os pais. Conheço um caso em que meninas da vizinhança, pelos dez anos, faziam verdadeiras surubas, entre bonecas e panelinhas e fogõezinhos de brinquedo... e os guardiães não enxergam isso?? Não, isso não é caso de polícia!”, encerra Maria sob o olhar feliz de Manoel e a chegada sinuosa do gato. “Vai chegar a hora em que ninguém mais vai entender é porra nenhuma!!”, exclama nosso herói sob o olhar filosófico de sua Maria, já de gato ao colo. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, e que a restrição já vai totalizando 911 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 462 dias...
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