Frederico Mendonça de Oliveira
Carros, idioma e o simples empunhar de uma caneta. O ruído emitido por emissoras da mídia absolutamente amorais, quando não descaradamente imorais. O lixo de imagens e conteúdos despejado pela TV aberta. A corrupção generalizada e completamente implantada no País. “Meu Deus, o que querem os brasileiros ao se permitirem degenerar social e moralmente em tal velocidade??”, pergunta-se um Manoel abestalhado com o que tem sofrido até dentro de sua própria casa. “Se ligar a TV, lá vem porcariada grossa; se ligar o rádio, o mesmo. Só se vê gente estúpida pulando à nossa frente ou seres abissais berrando boçalidades no ar. São os ‘famosos’, que não precisam de nada para alcançar a fama, basta conseguir furar o esquema e se enturmar entre seus semelhantes, igualmente asininos. Hoje a boa aparência mais vulgar é objeto de admiração babosa. O sujeito tem aspecto legalzinho? Pois já se candidata a ser famoso”, dispara nosso herói, entre irritado e comiserado. Então vale viajarmos com ele em seu calvário, ele que tem um coração do tamanho de uma jaca e sofre como se para nos salvar a todos. Enter.
Eis Manoel indo resolver coisitas intransferíveis de seu cotidiano, ei-lo se aventurando pelo arraial afora. Foi parar lá pras periferias de oeste, que ele não conhecia. Ficou abismado com a quantidade assustadora de habitações inacabadas espalhadas por uma área urbana periférica de perder de vista: “Meu Deus!, já existem no arraial favelas de classe média baixa, aquela gente ignara que se reproduz como coelhos e porquinhos da Índia e entopem as ruas do centro como procissão de zumbis em busca de inserção social que jamais alcançarão – simplesmente por serem eles mesmos a desintegração viva do social. Parecem seres em decomposição da própria imagem, pois vestem roupas como que em proposital e assumido desalinho, panos coloridos enormes em excesso de dimensões, parecem querer representar o papel de espantalhos. E o são...”. E, considerando esses seres completamente perdidos no turbilhão atroz do capitalismo selvagem tupiniquim sulmineiro, Manoel avalia a ação dos causadores de tamanha distorção. “Quem estará por trás de tal desgraça que vai dilacerando o plano social e transformando o povo brasileiro numa legião de humanóides vagando estupidamente como mortos-vivos em busca de desejos fúteis?” Enter.
Bem, era necessário comprar terra vegetal com húmus de minhoca para replantar pimenteiras, cebolinha, tomateiros, rúculas, coisinhas que Maria adora ter fresquinhas à mesa. E lá vai o nosso pobre entrar na loja de um real, e começa o perigo. Lá vem alguém em sua direção seguramente perguntar se “pode ajudar em alguma coisa”. “Oh!, raios, deixa eu fugir daqui, para poder procurar à vontade o que eu quero”. Escapou do canifraz malaco e sorridente que vinha em sua direção. Achou a terra embalada em sacos, sem problemas, botou dois debaixo do braço; achou os sacos de 100 litros, estavam bem ali, pertinho da terra ensacada. Ligou de celular pra Maria, e recebeu dela a incumbência de trazer pano para a cozinha e a lembrança de comprar forminhas de empada, usada por ele para acender a churrasqueira e o fogão a lenha (que os macacos sem rabo chamam de “fogão de lenha” ou de “fogão à lenha”, duas asneiras bem ao estilo da macacada destas montanhas. “Se fosse fogão de lenha, ele se queimaria a cada acendida, e se acabaria, transformado em cinzas; e se fosse fogão à lenha seria um fogão colocado sobre a lenha, ou no meio dela, diabos! Será que não pensam??” Então Manoel acaba que faz a compra sem ser importunado. Aí vem a coisa de passar na caixa para pagar. E lá está a moça escrevendo como se seus dedos fossem garras de predador tentando esmagar a presa. Ninguém mais sabe empunhar uma caneta: não há mais qualquer princípio nesse sentido, como, de resto, não há mais qualquer princípio em nenhum sentido, mantendo-se, para certos casos considerados importantes, a aparência dos princípios. Acabada a sessão, retoma-se a barbárie, que ninguém é de ferro. Comiserado com ver a moça perguntar “Quer que eu embrulho?”, Manoel deixa a loja doído de constatar a morte do idioma de Camões. Enter.
E nosso herói se lembra de uma situação rara, em que se assumiu um radical em defesa de seus princípios morais, idiomáticos e estéticos. Ele assistia a seu amigo músico trabalhando: o cara gravava com um sujeito também músico e dono/operador de estúdio. Lá pras tantas a gravação foi interrompida para atender a um chamado telefônico. Era da empresa de manutenção de computadores, avisavam que as máquinas deixadas lá já estavam prontas. Manoel contemplava a conversação. O cara disse: “Sim, pode trazer, pode VIM”. Depois de pequena pausa, em que do outro lado perguntavam qual era o endereço, ele responde: “Sabe onde é o restOrante do Simeão? É ao lado”. E, voltando-se para o amigo de Manoel, que esperava de guitarra calada acabar a negociação, perguntou: “Quer que eu gravo?” Diante desse surto de grosseria e mau gosto, Manoel fez um discreto sinal para seu amigo e foi saindo de fininho, sem ser notado pelo bugre depredador da língua. Depois confessou ao amigo que não mais falaria com esse tipo que defeca no idioma, tipo aliás por quem antes nutria certo respeito e admiração por ser ele muito hábil em algumas coisas. E lá foi Manoel em frente, quando abriu um jornal e logo o fechou, soltando um muxoxo triste: em destaque, uma frase em que se vê a terminalidade da língua portuguesa: “Feliz igual pinto no lixo”. Considerando que quem escreveu isso é mesmo despreparado e mal alcança regras de fala, porque fala como ouve falarem, Manoel até compreende a pobreza, mas regra é regra: uma coisa é igual A outra, não “igual outra”. Em outra ocasião, leu na Caros Amigos um juiz – homem, portanto, a quem não se atribuiria falar de baixo nível – falar “dali dez dias”. Bem, esse cara cursou faculdade, tem instrução, e fala como um bugre?? Será que esse indivíduo fala assim em audiência ou em palestra para públicos seletos? Onde está pelo menos o senso estético?? Enter final.
E assim vai a vaca pro brejo. Nosso herói foi até um bairro afastado pegar um violão que foi reformado por um fabricante de instrumentos. “A teratologia se instala nos seres, nas instituições, e a feiúra se manifesta em plenitude, explodindo em estética de periferia, aquele cenário em que a necessidade se impõe como prioridade. Então, em espaços urbanos periféricos, o que importa é a coisa imediata. É fundamental morar. Então levanta-se um barraco de alvenaria e enfia-se a macacada dentro dele. O visual cede ao pragmatismo, e como o único prazer de pobre é fornicar, porque hoje é de graça e muitíssimo fácil, vai crescendo a população de bugres em progressão geométrica. E o cenário é o da feiúra instituída, porque o feio está no processo da escatologia de que falaram os profetas. Não há mais salvação para quem sonhou com um progresso real da Humanidade. Hoje, vale o que os conquistadores do mundo querem que seja feito. Morte à beleza, morte à nobreza de caráter, morte às instituições, morte ao ambiente, morte à inteligência, morte ao planeta, morte aos anseios de aperfeiçoamento do homem. Vale agora é ir como a boiada dentro do trem sem saber que vai em direção ao matadouro: mesmo sem saber o fim que a espera, a Humanidade caminha a passos firmes para o abismo, para o despedaçamento de tudo, para o cataclismo”. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
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