Frederico Mendonça de Oliveira
Recebendo de uma admirável garota já beirando os 20 um poema do Bukowski via internet, Manoel considerou e admitiu como fato consumado a boçalidade no Arraial das Bagas. O poema fala em ter estilo para tudo, até para mandar o cérebro pelos ares, como fez Hemmingway, até para morrer na cruz, como Cristo. E o autor alude a alguns cães terem estilo: “I have seen dogs with more style than men”, mas em tempo coloca esses animais estúpidos no seu devido lugar: “Although not many dogs have style”, e sentencia a bem da elegância e do estilo falando sobre gatos: “Cats have it with abundance”. Pois é: o xaroposo Rubem Alves um belo dia escreveu um batatão sobre gatos num artigo sem pé nem cabeça, em que declarou sempre ter tido desconfiança de gatos. Por que, Rubens? Por serem eles elegantes e independentes, belos e gentis em tudo que fazem? Você deve preferir um cão babante em que você tem de dar banho, de limpar a bosta, deve achar lindo a cópula deles, que os deixa depois engatados asquerosamente como baratas dando vexame até a eles mesmos, né? Bem, deixando de lado quem desconfia de gatos, vamos ao cerne dessa fala de uma vez. Enter.
É que no Arraial das Bagas há cachorros de toda sorte. Desde todos os âmbitos do poder cachorros são abundantes. Fora do poder mas atrelados a ele e mamando e dando prosseguimento às cachorradas também há cachorros vestidos de toda sorte, dando suporte e tirando proveito da podridão instituída através da corrupção escancarada, e vivendo dela como vermes e abutres na carniça. E o Arraial não passa de um grande canil, onde se criam estupidamente cães largados nos quintais e jardins, sofrendo de tédio e desamparo, cagando e mijando e dando à população o fedor de que ela parece gostar muito. E, pior: latindo em desespero, em cadeia, e isso para seus donos acachorrados deve ser música... pois para essa gentuça a Xuxa é a Rainha dos Baixinhos MESMO, o Roberto Carlos é o Rei MESMO. Enter.
Pois Manoel sempre teve gatos. Embora tenha dado uma colher de chá a um filho criando um cão para ele por questão de espaço, o Sobio, isso foi uma exceção. O cão, mesmo sendo boa gente, incomodava Manoel, pois era burro e chato como todos os cães. E no tempo do Sobio Manoel tinha seu Grude, um gato rajado gentilíssimo, soberano e digno do carinho e atenção que recebia. Pois um dia envenenaram o bicho. O autor, segundo uma vizinha que criava um montão de gatos, foi um vizinho novo no pedaço, criador de passarinhos, super mal encarado, feio, bexiguento, de barba rala por fazer e casado com uma mulher também mal encarada e mais velha que ele, tipo uma bruxa de mal com a vida. Segundo a vizinha, os gatos dela foram mortos um atrás do outro. Manoel morava por ali, e como gatos andam mundo afora, o dele terá tido o mesmo destino, só que não conseguiu chegar de volta em casa para morrer lá. Enter.
Agora, com essa praça maldita reunindo uma ralé ruidosa e estúpida e já que vieram novos vizinhos arregimentados pelo poderoso autor do crime, vem acontecendo de desaparecerem os gatos nas imediações. Sumiram gatos de vizinhos, sumiram recentemente dois gatos de Manoel – desde que ele mora no endereço definitivo, já é o sexto gato dele eliminado com veneno, e um vizinho de muro fez uma piada de mau gosto como que “advertindo” que trabalha com cianeto, depois de manifestar sua aversão por gatos – e sobrou apenas um, negro, pesadão, luzidio, belíssimo e que deve ter sobrevivido por ter horror a seres humanos, talvez por isso não caindo no ardil de ir comer em casa de desconhecidos que vão dando ração a eles e depois de acostumá-los dão uma dose de veneno junto. Canalhas imundos! Covardes abjetos! E ainda posam de politicamente corretos, ainda desfilam como se fossem gente de bem, até aparecem em “colunas sociais” no pasquinete do arraial quando nem gente sonham ser! Pulhas! E, claro, quase todos têm cães. Óbvio. Enter.
Pois Manoel estava no sai-não-sai da cama numa manhã destas, tirando cochilos de leve, quando foi acordado de um deles por um som que no sonho era emitido por um estupidozinho de uns cinco anos e de camisa verde água. No instante em que acordou da soneca e do som, verificou que a coisa vinha do cão fila do vizinho, que emitiu um longo e agudo gemido. Combina: os animaizinhos vestidos que frequentam o espaço criminosamente montado berram como se torturados, e de tudo decorre uma sinfonia de sons deletérios emitidos por seres irracionais degenerados e desamparados. O que Manoel mais contempla no bairro é o som dos pássaros, desde os gritos poderosos das cocotas até os delicados cantos dos gaturamos, tudo soando como a orquestra da Natureza. Pois um dia passa Manoel pela rua contemplando a gritaria das maritacas no fio, e de dentro da casa em frente sai um boçal ignorante gritando para espantá-las dali, pois estava “incomodado” com a cantoria delas, uma divertidíssima troca de frases palradas. Esse pitecóide não tem alma nem coração: é um objeto vestido e dependente de ter, de matéria, nem sonhando com a idéia de ser... Enter final.
Pois o amigo de Manoel que foi guitarrista do Raul anda também amuado por ter perdido dois gatos amadíssimos, o Tácito – rajado e branco, forte, gentil, há já quatro anos vivendo com seu dono – e o Bicus – abreviatura de Chimbico, um angorazinho cinzento doce, amável, dócil, elegantemente chameguento, o xodó da casa –, que de algum tempo para cá, segundo o amigo, andavam possivelmente frequentando outra casa, pois andavam menos tempo na residência do dono. Que monstros! E o que eles não sabem é que vão pagar por isso na conta cármica, irremediavelmente. Com isso vê-se como são estúpidos e ignorantes. Por isso gostam tanto de cachorros... se é que gostam: devem apenas fazer deles suporte para a personalidade que não têm, já que são objetos vestidos obedientes à TV. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
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