Frederico Mendonça de Oliveira
Pois eis que um amigo de Manoel, um médico recém-formado, caiu no cadafalso de um casamento para encurtar uma gravidez inesperada. Ou “inesperada”... embora isso não mude obrigatoriamente os sentimentos entre os nubentes, até pelo contrário. E lá foi Manoel engrossar o rol das testemunhas, sempre algo sádicas, em roda do “condenado”. E aí começa um longo percurso de maluquices as mais malucas – sim, não há redundância, há intensificação, como o “Brasil brasileiro”, do gênio Ary Barroso, compositor que a maioria dos brasileiros hoje desconhece... – e de cenas capazes de fazer Fellini se virar na sepultura, achando-se verdadeiramente superado. Antes de fazer desfilarem as cenas, que vão do bizarro ao atroz, cumpre ressaltar que o casamento ocorreu na matriz de uma pequena cidade perto do arraial onde Manoel se acoita nesses dias de choro e ranger de dentes. E que, sendo Manoel um especialista em arquitetura canônica, tal casamento veio a calhar, porque a igreja em questão é um dos mais portentosos monumentos góticos do País, e nosso herói aproveitaria o evento para realizar uma reportagem fotográfica sobre a admirável construção, a despeito do que a invade e do que a cerca. Enter.
Pois lá estava o circo armado dentro da maravilhosa construção religiosa, capaz de deixar abestalhado um especialista conhecedor do teto do King’s College, Londres, ou do octógono na base da lanterna da catedral de Ely, Cambridgeshire, England. Manoel chegou, o casamento já começara. O padre parecia um inconveniente mestre-de-cerimônias de desfile de debutantes ou de escola de samba: só faltava pular e bater os calcanhares um no outro. A mulherada espalhada pela nave da igreja dava um espetáculo de mau gosto em que os panos pareciam tudo, menos vestidos: estavam muito mais pra fantasias em filme de teor oscilando entre o terror e o cômico. Os valetes, que lástima!: pareciam bonecos enrolados em roupas que não seriam deles, com cabelos arrepiados, coisas de intrigar um personagem de Turgueniev... e a música, ah!, a música! Mesmo que não sendo de todo má, mesmo que adequada – vá lá – a uma cerimônia em um templo, havia o desvio para o banal, as harmonias erradas, os latins embodocados por bocas profanas – mesmo que buscando o tom respeitoso. Bem, assim rolou a cerimônia, com um finale verdadeiramente acachapante: antes de terminar a função, o padre resolveu entrevistar a mãe do noivo, e instalou aquele clima de sem- cerimônia típico dos carismáticos, seguramente os idiotas assumidos do catolicismo desviante. Coisas do tipo “padremarcelo”, aquele fogo de palha que assolou o Brasil há uma década ou mais. Terminada essa patacoada que ecoava estupidamente pela deslumbrante arquitetura gótica do templo imponente, a macacada espoucou em palmas e assovios, como se tivesse terminado um espetáculo herético de baixo nível, e a fauna local defluiu para a praça frontal, engrossando o ror de bugres presentes à manhã ensolarada de sábado. E o sol já ia a pino. Enter.
E lá foi a macacada para a festa de casamento. Manoel, com sua Maria – ela retornara... – a tiracolo, deixava-se estar quieto em meio à azáfama, e lá veio cerveja honestíssima estalando para um contingente de convidados praticamente em jejum, e começou, no pátio da fazenda do pai na noiva – por sinal, uma criatura de rara beleza, combinada a uma simplicidade e naturalidade notáveis –, o fuzuê dos diabos. De pronto, no início da fuzarca, nada de som, do famigerado som que invade e corrompe tudo que atinge. Nessa hora inicial, as pessoas conversavam em grupos, confraternizavam, se reencontravam depois de tempos sem se ver, e tudo ia muito bem. Até que chegou a famigerada "música ao vivo", sempre uma merda grossa, sempre um estorvo, sempre um grosseiro incômodo, sempre perturbando o ambiente com uma poluição agressiva, sempre as mesmas merdas de Djavans, Gils, Caetanos, Alceus, Bestânias, ah!, puta merda, a gente não consegue mais viver sem esse assédio estúpido, sem essa violência instituída como se fosse algo religioso e inevitável, hoje como que obrigatória. E aí começou a segunda etapa da festa, em que o álcool já circulava solto pelas veias e cucas, e instalou-se o rasteiro, o deselegante, o feio, a anti-estética. Estava bom demais sem som para ser verdade... Enter.
E Manoel, com sua divina Maria, esta apresentando um semblante crítico para com as cenas que via, embora não perdendo sua doçura, olhava para a degradação que se instala mais e mais em tudo neste Brasil antes tupiniquim, depois caboclo e mulato, hoje combinando um axavantado de bugres com um urbano de catrumanos, e não havia como não contemplar analisando com piedade e compreensão o que fizeram de nossos irmão brasileiros... Ah!, os bons tempos da Pindorama! Ah!, os bons tempos dos “verdes mares bravios de minha terra natal”! E a coisa degringolava. De uma mesa ao lado da sua, Manoel se esquivava de olhares lúbricos de uma bela obesa loura artificial, que desfilava volta e meia uma bunda descomunal balangando por conta de um andar decidido e célere. E lá vinham provocações, mesmo que suaves, que Maria nem mesmo percebeu, não porque não fossem escancaradas, mas porque nossa heroína estava em outra dimensão... Enter final.
Já ia adiante e em direção a seu desfecho o forrobodó. As mulheres da mesa ao lado, completamente á vontade, já se engalfinhavam em amassos com valetes circunstantes, e de algumas, sentadas muito á vontade, se entreviam os regos da bunda emergindo de calcinhas quase que completamente à mostra... e Manoel e Maria resolveram dar o fora, deixando para trás amigos envolvidos em armações e o casal de noivos absolutamente à vontade, alheios ao furdunço e já em paz no espaço que daqui pra frente será dos dois... E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
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