Frederico Mendonça de Oliveira
Em 1958 Maria Ignez Senne Costa, sob o pseudônimo Maricene Costa, participava do primeiro festival de canção no Brasil, aquele Voz de Ouro ABC. Não me lembro qual a canção vencedora, mas lembro de ter o Guerra Peixe metido nisso. Ela ganhou o troféu, e vem cantando desde então, mesmo sem ter integrado a banda olímpica da MPB, ao lado de Simone, Betânia, Gal, e de cantoras de verdade como Elis, Fátima Guedes e Nana Caymmi. Ficou na raia paralela, vem gravando discos de quando em quando, e não deixou nunca de ser cantora, mesmo que, como gente de sua época e de sua praia – Alaíde Costa, Ana Lúcia, Claudette Soares, por exemplo – esteja completamente fora da chamada mídia. Bem, sabe-se lá o que pode um ser que não está programado geneticamente para acontecer nesta vida, mas é interessante verificar o que pode determinar o sucesso ou a obscuridade. Enter.
Lá vai o velhote jovial aqui acompanhar Maricene no CD em que ela reúne temas da bossanova paulista. Neste 2008 temos visto muito falar da Bossa Nova, movimento genuinamente carioca, mas a contribuição de São Paulo não pode ser esquecida, especialmente porque dela saiu coisa de muito peso para nosso cancioneiro. Maricene, que talvez grave pela última vez nessa iniciativa, foi a primeira cantora profissional que acompanhei quando iniciei minha participação no cenário da canção moderna brasileira. Estávamos no Teatro Santa Rosa, Rio, em 1969, eu tinha meu quarteto vocal denominado Quattuor, e estava lá esperando a hora de entrar e cantar. De repente, chega o Menescal e me pergunta se eu poderia acompanhar uma cantora lá, que estava sem quem a acompanhasse. Topei de cara, especialmente porque ele me dissera ser a Maricene, que eu já conhecia de nome. Fomos lá, simpaticamente nos apresentamos a nós, à música e ao público musical que ouvia tudo embevecido. Nem me lembro o que foi, mas saiu nos trinques. Enter.
Veio logo depois o boom da MPB, e tudo mudou. De repente, em 71, topei com ela em São Paulo e acabou que combinamos um show “Maricene Costa e Som Imaginário”, eu na direção musical e nos arranjos para o grupo, que eu integrava como guitarrista e compositor. Foi lindo, cenário do espetáculo Balcão no Teatro Ruth Escobar, algum público respeitável... mas já ia tudo se dissipando. Depois nos vimos em várias, sempre amigos, sempre de olho um no outro. Aí gravei com ela em 82, estive com ela em show solo na Sala Funarte, Rio. Depois, em 97, eis que me aparece a querida Mariça, como a chamo, no lançamento de meu livro na Funarte-SP, com direito a Paulinho Nogueira, Fauzi Arap, Mutinho, Osmar Barutti e o velho e parece que imortal Fernando Faro, o Baixo. Puxa, que turma boa pra uma chopada ou uma noitada no velho de guerra Piolin!... Depois disso, apenas lembro dela sempre, minha irmã de paralelismo musical, amicíssima, uma alegria como gente do peito. Enter.
Pois eis que há poucos dias me liga a Maricene, depois de conseguir meu telefone com o Osmar Barutti, e me convida para aquilo que pode ser o melhor registro da Bossa Nova paulista. Foi um encanto, e eis-me aqui nos arranjos para o disco a ser gravado semana que vem. Lindas canções: Mantiqueira, do Nelsinho Ayres, que aconteceu extemporaneamente na voz de Walter Santos; Ilusão à Toa, de Jonny Alf; Menino das Laranjas, do Théo de Barros; Menino Desce o Morro, de Vera Brasil; Dá-me, do Adilson Godoy; e Tristeza de Amar, lançada pela inesquecível Alaíde Costa. Estou preparando tudo, depois a internet faz o resto. Afinal, mercado fonográfico já era, música instituída já era, o que vale agora é a macacada ligada na net. Enter final.Ouvindo o CD com os originais que a Mariça reuniu, eis que pela primeira vez na vida senti que minha hora chega. Antes, um belo dia, doeu no coração saber que Luís Eça, Edson Machado, Tom Jobim e tantos outros nomes já se foram. Agora é diferente: senti uma estranha saudade desta vida que ainda percorro. Nostalgia, talvez seja isso a tal da nostalgia. Mas estou preparando esse registro, e me sinto muito feliz de escoltar Maricene Costa no estúdio, e seguramente teremos bom registro – até porque, no encontro que tivemos semana passada, ela se mostrou pujante no gogó, e de minha parte cabe a segurança de anos de estudo me garantindo a forma como... violonista!, já que na verdade sou é guitarrista... Mas todos verão e ouvirão. Sorte, Maricene! E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
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