Frederico Mendonça de Oliveira
Pelo início do século passado – é tão curioso dizer “século passado” quando parece que ele está tão perto, e quando “século” sugere 100 anos... mas vá – veio de Uberaba (por aí, há confirmar) para Alfenas um promotor de Justiça de nome João Evangelista Barroso. Deve ter vindo pela mão de Deus, como sempre acontece, para que se cumprisse o que estava escrito, como costumamos ler no Novo Testamento. E eis que o próprio não fincou raízes, como de costume na carreira funcionários da Justiça. Mas conheceu uma moça por quem se afeiçoou, e isso não é proibido pelo código que rege a conduta, direitos e deveres desses servidores. O nome dela era Angelina Rezende, que passou a assinar, depois de os dois contraírem matrimônio, como era de se esperar, Angelina Rezende Barroso. Enter.
O promotor logo foi transferido para outra cidade, a já meio longinha Ubá, lá pro lado da Zona da Mata, aqueles por assim dizer cafundós, por onde o degas aqui já andou dando guitarradas acompanhando o saudoso Moleque Gonzaguinha. Isso foi lá pra 1983, pelo inverno. Tocamos para um show de colégio, coisa assim, e a coisa era estranha: diante do palco, mesas com abajurzinhos e bufê sendo servido, coisa atípica em shows daqueles tempos. Lá ao fundo, de viés, uma arquibancada íngreme entupida de uma moçada ruidosa, excitada, que promovia uma gritaria dos diabos enquanto tocávamos para uma “seleta platéia” comendo e bebendo em suas mesas. Tinha até um de terno e gravata, um ser curioso que nos recebeu com perguntas a queima-roupa, do tipo militar, quando chegamos à tarde para montar o palco. Esse ficava bem de frente, como se o show fosse pra ele. Mas algo me intrigava naquilo tudo: havia uma pergunta no ar... Enter.
Ubá parecia uma comunidade atrasada, estranha se comparada a todas as localidades por que passávamos. Talvez pela estranheza do local onde tocamos, pelas mesas, pela gritaria da juventude empoleirada lá na arquibancada ao fundo e de lado. Mas algo nos intrigava, e não sabíamos exatamente o quê. Quanto a mim, farejava algo diferente naqueles dias em que já me acometia o mal-estar de participar daquela fase nada musical em que o Gonzaguinha, já estourado no “gosto” do povão, fazia aqueles shows só pra cumprir agenda fechada antecipadamente, mas já sem qualquer interesse, pois ele já galgara o olimpo da emepebê. Enter.
E tocamos, e depois veio um jantar numa biboca acanhada, e voltamos de Ubá para o Rio no carro do Gonzaga, o Maranhão dirigindo, e o carro de repente apagava as luzes no breu das estradas daquelas bandas, em que placas apareciam indicando a proximidade de uma certa “Picas”, cidade que parece servir de referência de entroncamento na região. A cidade era Bicas, só que os malucos arrancavam a barriga inferior do “B” de sacanagem, coisa de que os brasileiros tanto gostam. Enter.
Mais de dez anos depois, eis que um amigo me presenteia com um LP duplo gravado em homenagem a um dos nossos maiores compositores do... século passado. Lendo o texto interno da capa dupla, deparei com a história do tal promotor, que teria vindo do Triângulo, passado um período em Alfenas, onde se casou, e ido transferido para Ubá. E ali estava a coisa de que eu desconfiara em Ubá. A cidade era algo com que eu tinha uma conexão, por saber que dela viera alguém importante PARA MIM. Pois isso merece um parágrafo à parte, embora ainda possa dizer neste que a surpresa foi dupla, porque eu resido em Alfenas há 23 anos e acabou que tomei conhecimento da questão justamente aqui, onde se terá dado o fato marcante que agora passo a revelar. Enter final.
Lá vai: já em Ubá, depois de se casarem em Pomba, o casal gerou um filho, de nome Ary, e sobrenome Barroso. Sim: Ary Barroso. Aquele mesmo, que depois compôs Aquarela do Brasil, aquele que compôs Na baixa do Sapateiro, No Rancho Fundo, Na Batucada da Vida, Aos Pés da Cruz, Pra Machucar meu Coração, Maria (“o teu nome principia da palma da minha mão”) e outras maravilhas hoje absolutamente soterradas pela avalanche de miséria sonora cancionística com que os globalizadores nos presenteiam direto e reto. Nossa geração, que já vai entrando pelos sessenta e que viveu os tempos do grande Ary, vai saindo de cena, e vai ficando aí uma outra coisa, uma outra gente, para quem isso é nada, passado remoto e sem sentido. O Brasil agoniza. Uma nova “humanidade” vai entupindo a superfície de um país extinto. Essa nova gente nada sabe de nada. Eles vão pagar a conta... E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té mais, babes!
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