Fatos do grotesco e do canhestro
Frederico Mendonça de Oliveira
Seriam até engraçados, não contivessem os fatos adiante o toque do horrendo, sem contar que entram pelo grotesco e pelo canhestro. Se Drummond um dia escreveu que “O mundo não vale o mundo, meu bem”; e se Guimarães Rosa cunhou em outro dia, mas na mesma época ainda feliz, que “Viver é perigoso”, imagine-se hoje o que poderemos dizer... As cenas a seguir pedem que tiremos crianças e pessoas sensíveis da sala, mas as crianças de hoje são apenas, com raríssimas exceções, projetos dos bugres de amanhã, então não há temer deixá-las na sala. Quanto a pessoas sensíveis, ninguém mais poderá estranhar nada, desde que se considerem os 20 anos de ditadura militar, os anos Sarney, os trágicos oito anos sob FHC e o que se seguiu a esta catástrofe histórica atual, o petismo no poder, e tudo isso junto, aliás, é capaz de matar de susto um bando de tiranossauros. Enter.
Ganhei um celularzinho meio antigo mas excelente para o de que preciso: ser localizado onde estiver. Então entrei numa loja da Telemig Celular para tentar habilitá-lo. Foi como entrar na ante-sala de um puteirinho sofisticado e cheio de vermelhos na decoração: uma bichalda visitante fazendo um “outing” para os “jovens” que trabalhavam na loja, estes dividindo com ele uma pantomima de gestos assemelhados e com um rol de imbecilidades e, ao alto, uma TV mostrando DVD de um show breganejo do qual escorria o pus abundante da estupidez galopante em estado coletivo de graça. Era uma “dupra” de maratimbas cantando uma desprezível merdinha sonora enquanto uma legião de seres acéfalos gritava desesperadamente diante dos dois cafumangos ungidos pelos globalizadores. Salvei-me em tempo: o “sistema” não estava no ar, e não havia como habilitar o celularzinho. Saí daquele inferninho para a praça apinhada de capivaras vestidas que roncavam surdamente entre si entrando e saindo de lojas de bugigangas, o consumo sem objetivo prático mantendo os seres em estado de hipnose, os cérebros em ponto morto. Enter.
Uma amiga aniversariava, e eu ia ajudar na compra de uma sandália. Entrei na loja de calçados para escolher a coisa e tive de me haver com três moças atendentes. Aí, chegou a hora de pagar. Ao tirar o talão do bolso, a atendente perguntou se era meu o cheque. Fiquei com cara de bunda e com o talão no ar. Como?? Seria de quem, se eu o tirei do bolso? Mesmo que fosse de outrem, o que seria possível no caso de eu o ter roubado, como eu iria assinar se não fosse meu? Aí, vendo o meu constrangimento, a moça perguntou se o cheque era de Alfenas – quando o talão era de um banco a dez metros da loja. Aí, vendo que a coisa fedeu, alegou que era para consultar o cheque, e que iria demorar. A pessoa que estava comigo, ser civilizado, resolveu a parada com o cartão, e eu botei de volta o talão no bolso com cara ainda abundeada, cara de ladrão assustado com essa inesperada e fortuita condição. Foi algo muito inusitado em minha vida, e acabei achando que valeu a pena sair de casa para viver essa estranhíssima emoção. Mas acabou que me lembrei de um fortificante que era vendido ainda nos anos 50, de nome Capivarol. Essa turma deve andar tomando isso, porque são pessoas fortes e de uma estupidez simplesmente indescritível, ou imensurável. Dá até gosto ver tamanha obtusidade grassando por aí, é como se estivéssemos em outro país ou dimensão, o que nos livra de aeroportos, navios, aviões, passaportes, horas e horas em deslocamento e a canseira natural de viagens quaisquer. Enter.
Deixei uma peça em argila numa fundição de bronze e metais, daquelas que fazem estatuetas e adereços para túmulos, números para casas, placas comemorativas e coisas afins. A obra, um abstrato, acabou que não foi fundida, sob alegação do “rapaz” que não houve como, pois havia arestas difíceis, que impediam a feitura do molde, chamado de shell. Quando ficou certo que não seria mais tentado o molde, aleguei que mandaria outra obra e tal. Mas o diabo foi conseguir falar com esse tal “rapaz” – e você entenderá por que foi tão difícil. É que atendeu uma garota lá, dizendo “Poliarte, boa tarde”. Daqui eu expliquei que queria falar com o rapaz que faz as fundições. Ela me perguntou se era o fulano ou o beltrano, dois nomes bastante difíceis. Disse que falei apenas com um rapaz, novinho. Ela me perguntou se ele era japonês. Eu disse que não, ao que ela falou um nome lá: “Ah, então é o ASÇSDÇFLG!”, algo assim. E aí não resistiu: “Como é o seu nome?”, ao que eu, já em processo de impaciência, respondi: “Juvenildo”. Ela foi lá chamar, e voltou: “Seu Juvenildo, ele não pode atender agora. O senhor liga daqui a 15 minutos?”. Bem, liguei dali a 15 minutos, ela foi chamar e voltou dizendo que ele ainda estava fundindo. Então liguei no dia seguinte. Ela atendeu e perguntou, depois que eu revelei ser a mesma pessoa de ontem, que não conseguira falar com o ASÇSDÇFLG, ao que ela perguntou: “Como é mesmo o seu nome?”. Depois de repetir o Juvenildo de ontem, ela foi chamar o rapaz, que veio atender. Aí eu perguntei o nome dele, e ele me revelou: “Ismáile”. “Como??”, perguntei, e ele: “ISMÁILE”. Enter final.
Entendi: sorriso, em inglês. Ele então me explicou o problema da fundição, e prometi mandar algo menos barroco. E desliguei lembrando dos nomes de hoje: Thaiane, Rahiane, Deiviane, Deivisson, Dêivid, Daíse, Ruan, Tuane, Williene Cristiane e coisas como Maiqueljéquisson, sem contar um caso raro daqui: Winterson Panther Cleveland... da Silva. Podia ser do Arizona, ou do Wisconsin, mas... da Silva?? Que sacanagem com o rapaz... Bem, minha filha nascida no Japão passa pelo mesmo problema: o nome dela é Nastassja Sugie Nakayama de... Oliveira! Pobre menina! Que Oliveira mais fora do penico! Mas vá. E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té a próxima, queridos!
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