Colarinhos e gravatas – e ladrões
Frederico Mendonça de Oliveira
De há muito não ouvia falar de um certo Orestes Quércia, tipo largamente visto como, digamos, imoral no trato da coisa pública e na coisa de saber se beneficiar através de ser político. Foi deputado, foi até governador de São Paulo, está montado em patrimônio que o aproxima da condição de um imperador. Mas sua voz como político está quase completamente calada, não se sabe se por ele mesmo ou se pelo sistema ditatorial que está aí, que o terá mandado ficar de fora se quiser viver em paz. Desde que se candidatou a presidente em 89, naquela disputa em que despontou o factóide Collor e que incluiu Brizola, Covas, Ulisses, Maluf, o tal do Afif e, claro, o pilantraço Lula, sua participação como que foi reduzida a zero na vida pública brasileira contemporânea. Mesmo o PMDB que ele integra acabou reduzido a uma panelada esdrúxula de carreiristas sem qualquer projeto, de profissionais descarados da politicagem mais reles de nossa história. Então acabou que dei de cara com a carantonha envelhecida – e até algo meio que difícil de reconhecer – de Orestes Quércia. E logo onde? Em que boca da grande imprensa prostituída haveria espaço para esse fantasma nascido nos tempos de militares, depois do abjeto Sarney e hoje uma sombra no panorama da depravação escancarada do poder constituído? Enter.
Simples: na coluna social da, como classificava o Hora do Povo, “Cloaca da Barão de Limeira”, também conhecida como Folha de São Paulo. Quem assina a coluna é uma certa Mônica Bérgamo, desarrolhada não se sabe de que diabo de garrafa repleta de poção tanática. E ocorre que as fotos são todas coloridas e em tom de luz de tungstênio, tudo muito alaranjado, quente, não se sabe se para dar a idéia de calor do sucesso, naquele ambiente do andar de cima que ela trata de retratar a lambidas e afagos, fazendo desfilar pateticamente uma fauna de bem sucedidos nesta Pindorama degenerada “no úrtimo”. As fotos da festa junina promovida pelo “ministro” da “Cultura mostrando todos os colunáveis da Folha a caráter como fingem não ser no dia a dia são de uma bizarria – nas últimas acepções – indescritível e inesquecível. Mas numa dessas, e já faz algum tempo, meses, me aparece uma foto reunindo três pilantraços cadeiáveis, ou trancafiáveis, como queira você – se é que alguém lê isso nesta cloaca em que transformaram a Terra das Palmeiras, ou República das Bananas. Pois a foto era de tal forma sugestiva que inspirou estas mal traçadas, até porque eram três homens de colarinho e gravata, um prato cheio para a Polícia Federal. Por isso estão na coluna da tal não-sei-quem da Folha. Enter.
Da esquerda para a direita, lá estavam Orestes Quércia – de terno e gravata, destacando um suéter sob o paletó. Envelhecido, parece que de cabelos pintados, não muito fácil de reconhecer de prima. Quercia, aliás, é carvalho em italiano. Não muda muito, senão porque, como se dizia no Rio há décadas, quando ele faz barba o que sai é serragem: trata-se de um tremendo cara-de-pau. A decadência escorre da imagem do cara, embora muito bem vestido e aparentemente bem saudável. Ao centro, agitado e gesticuloso, tanto quanto visivelmente falaz, adivinhem quem? Vejam só: Paulo Salim Maluf. De terno também, gravata entre vermelho vivo e garance contra uma camisa de tricoline branco possivelmente comprada na Daslu, estava feliz na festa, especialmente entre os dois com que formava um estranhíssimo trio. Saído de um xilindró pra lá de humilhante a que os globalizadores implacáveis o submeteram há alguns meses, parecia estar tão de bem com a vida naquela foto que ninguém em sã consciência poderá imaginá-lo como egresso de uma escandalosíssima sujeira federal. Oquei, mas vamos fechar o trio. À direita, sem nenhum charme, descabelado em oposição a sua linha chanel de um antanho não muito aquém, o patético rabino pop Henri Sobel. Parecia meio que transfigurado. E de gravata, ele também, o que de certa forma contraria o look da gente dele. E, interessante: se estava de quipá, não dá pra ver na foto, que o pega em ânulo de três quartos, em oblíquo. E a legenda da foto era um bloquinho de texto à direita, não só duas linhas sob a imagem, como de costume. Pois Enter.
Pelo que dá pra deduzir, esse encontro se deu pouco tempo depois do episódio da prisão do rabino pop na Flórida, quando o líder israelita foi flagrado roubando gravatas de grife de uma loja lá. A foto dele divulgada pela polícia da Flórida mostrava um ser em visível desespero, até com aspecto de doente mental, o que aliás foi alegado como defesa para livrá-lo de coisa pior. Mas então, ali, naquele encontro, ele aparecia com os cabelos organizadamente desalinhados, como se fosse um novo visual mais pra selvagem que pra chanel. Asqueroso, de qualquer forma. O textículo ao lado era uma pérola de subserviência, de desfaçatez ou de um escárnio cínico: “À esquerda, o encontro de Orestes Quércia (PMDB-SP), Paulo Maluf (PP-SP) e Henry Sobel na noite de segunda-feira; ‘O senhor tem a solidariedade de todo Brasil (sic)’, disse Maluf para Sobel; ‘Eu sou o rabino mais mimado do Brasil’, respondeu o religioso; antes de começar o evento, e assim que acabou o hino brasileiro, Quércia e Maluf saíram da sala e só pararam próximo da porta, para ouvir o final do hino norte-americano”. Detalhe: tratava-se da festa pelo 231º aniversário da independência dos EUA, que reuniu aqui uma razoável caçarolada de figurões tocáveis e intocáveis. Os três tocáveis foram os personagens desta inserção no blog, e não sabemos se havia outros tocáveis por lá, onde estiveram nomes como o do banqueiro Josef Safra, cujo irmão foi assassinado há alguns anos, e o anfitrião da festança, o embaixador Clifford Sobel – que curioso! Xará de sobrenome do “rabino mais mimado do Brasil”!... Será que tem carne debaixo desse angu? –, o menos badalado nas fotos da coluna de La Bérgamo. Enter final.
Moral da história: de picante na coluna da “Cloaca da Barão de Limeira” havia somente a foto de Quércia, Maluf e o rabino Sobel, três trancafiáveis dos quais dois já provaram na prática o sabor das grades. Quércia parece que fica ainda só na idéia de como seria. De qualquer forma, estavam lá, comemorando o “aniversário da independência” dos yankees três gatunos: dois de colarinho branco; o terceiro, de gravatas. A associação é irresistível: colarinho e gravatas, não colarinho e gravata. Que Deus se apiede de nós todos! E viva Santo Expedito! Oremos. ’Té pra semana, queridos!
Em tempo: que independência é essa que foi comemorada?
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