Frederico Mendonça de Oliveira
Na segunda passada, dia 16/07, bateu a caçuleta o magnífico músico Ed Lincoln, Eduardo Lincoln Barbosa de Sabóia de pia batismal. Nascido em Fortaleza em 31 de maio de 1932, de família nobre, com 19 anos mudou-se para o Rio, onde se impôs como gênio nos tempos em que se amarravam cachorros com lingüiça, ou seja, nos anos dourados de 1950. O Rio era lindo nesses tempos, e as favelas eram um contraponto sócio-cultural que reunia no máximo vinte por cento da população carioca. O Carnaval era na Rio Branco, saía da Praça Onze, e o morro descia pra mostrar seu valor – leia-se: samba! – no asfalto. Vivíamos a música através do rádio e do disco – a Globo ainda não invadira nossas vidas –, dos bailes e apresentações ao vivo, e o Lincoln estava sempre presente de alguma forma, e vivíamos entre o teatro e o cinema inocentes quanto a estarmos nos traindo, diante dos filmes de Hollywood, como seres incautos engrossando as forças que se opunham politicamente à Roma Católica. Era papa Eugênio Pacelli, o Pio XII, cuja memória hoje é criminosamente enxovalhada pelos mesmos inimigos – não só de Roma e do Catolicismo – que ameaçam o planeta e os povos desde os tempos mais remotos. Mas tínhamos uma vida bem melhor, inclusive baseada na esperança de evolução pessoal e social, e o Lincoln era uma referência no processo de beleza e força criadora que iluminava aqueles tempos. Enter.
Entrevado há talvez mais de ano, seqüela de um acidente que sofreu em 1963, quando de uma estripulia noturna num fusca, naqueles dias de glória do carrinho no Brasil de JK. Bateu num poste, o carro chegou a encostar a capota no próprio, Lincoln caiu no chão lançado do carro e deu de bunda no chão. Foi-se nisso a sua coluna lombar. Ficou sete meses de molho sob os cuidados do afamadíssimo dr. A. Ackermann, cujo nome vivia aparecendo em anúncios em O Globo. Estive na Clínica das Laranjeiras, de repente apareceu o doutor para uma checada no paciente e uma curtida com os artistas que sempre iam lá. Mr. Ackermann tinha verdadeira admiração pelo que acontecia naquele imeeeenso quarto de recuperação, pois até ensaios eles faziam. E a bandinha continuava fazendo os bailes já contratados, só que com pianistas substituindo o mestre. Um desses pianistas foi Tenório Jr., que vi pela primeira vez em palco no baile de formatura de minha garota de então. Quando adentrei o recinto do salão nobre do Fluminense, eles tocavam Nuvens, do Durval e Maurício, era algo majestático. Para suprir a falta do órgão, o Lincoln botou o sax do Paulo Moura em naipe com o trompete do Paulinho, e ficou lindo. Fui a esse baile dopado de remédios, pois enfrentava uma séria gripe complicada com sinusite e outras bostas, mas não perderia aquilo. Estava de cama há uma semana e saí do baile bonzinho da silva. O espírito do Lincoln e aquela música linda me curaram. Enter.
Depois do advento da Globo, adeus. Veio a MPB, ditadura da canção desde o início da década de 60, e tudo se esmerdeou como pretendiam os que manejam os cordéis do poder mundial. O Brasil se tornou um espaço ideal para a farra das multinacionais do disco, e todos os selos nacionais de gravação foram esmagados, ficando em plena ação as gravadoras envolvidas com o poder do Império: EMI-Odeon (UK), Philips/Polygran (Holanda), CBS, RCA, Warner (USA) e Ariola (Alemanha). O Lincoln tinha, com o Nilo Sérgio, o selo Musidisc, desativado por crescente falta de oxigênio resultante da asfixia imposta pelas gravadoras multinacionais. Chegavam também os Beatles, que você não sabe – nem eles sabiam! – terem sido produzidos pela Inteligência Britânica. Já o “fenômeno” Woodstock, responsável pela explosão do rock puxado pelos Beatles, foi organizado e produzido pela Inteligência Britânica em associação com a CIA, e tinha como um dos principais objetivos promover o lançamento do LSD para a juventude norte-americana justo quando uma parte desta se organizava através do movimento da New Left para peitar o stablishment. Eles não brincam em serviço não, e você já deve ter desconfiado disso... E o Lincoln, figura lapidar no cenário da música do Rio, foi sendo confinado junto com todos nós no gueto que nos restava. A canção ia à estratosfera: as multinacionais citadas fizeram do Brizêu o quarto mercado mundial do disco, enquanto inapelavelmente o samba ia sendo preterido pelo avanço do soul, do pop, gêneros que desde 1970 tiveram em Milton Nascimento o padrinho tupiniquim. Depois, o Gil virou o embaixador do reggae, logo ele, autor de sambas memorabilíssimos... e o Lincoln foi tendo de se contentar com um ostracismo feio, confinado em seu reduto de atuação, que então virou reclusão involuntária. Ninguém ia lá; ele não tinha, por outro lado, onde aparecer dignamente, tal a alteração no cenário. Enter final.
Mas você nem sabia existir esse Ed Lincoln, é fato. “Morreu? Antes ele do que eu”, você deve estar dizendo. O que você não enxerga é o crepúsculo de uma era em que o Brasil ainda era país. Com a morte do Lincoln o país vai um pouco mais para baixo da terra. Já foram Tom Jobim, Gonzaguinha, Luís Eça, Durval Ferreira, Paulinho Nogueira, Baden Powell, estão outros vários prestes a sair desta para a melhor, enquanto vamos vendo triunfar seres apresentando a mais horrenda delinqüência musical já imposta nesta desgraçada Pindorama. Mas não tema: Demóstenes Torres voltou a suas atividades em Goiás e abocanha uns quarentinha por mês (ainda precisa de acento, filólogos petralhas? Logo vai cair, né?), e mais adiante volta ao Senado “nos braços do povo”, hohoho! De nossa parte, resta o espanto e a preparação para a partida para o andar de cima. Aqui nesta merda fica o que há de pior em nossa História. Agora você pode se consolar com o Tchan Tchum, nova grossa titica alçada aos píncaros do sucesso via mídia. Você merece, dizem alguns, mas é hora de nos preocuparmos com a Galisteu não ter engravidado e com a Xuxa estar preocupando a Globo por ter caído geral na audiência. Das bestas, claro. E sossegue: amanhã de manhã o louro josé estará no ar... E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Nenhum comentário:
Postar um comentário