Frederico Mendonça de Oliveira
Os seres sob a dominação selvagem do Império não são desprezíveis ou miseráveis: eles ESTÃO desprezíveis e miseráveis – e isso é desgraçadamente universal e irreversível – porque entregam o pescoço ao machado sem pestanejar, e o resultado disso é, além do horror que se agiganta, o que dele vem como sua estética: o “seje”, o “esteje”, o “pode vim”, o “antes de ontem”, o “cala boca Galvão”, o “daqui dez dias”, o “de vez em quanto”, o “gratuíto” e outras excreções e escatologias verbais que vão virando o “idioma” dos macacos sem rabo. Eis aí o idioma dos pongos (seres dos pongídeos: são os chimpanzés, gorilas e orangotangos) gradualmente substituindo o idioma de José de Alencar, de Machado de Assis e de Guimarães Rosa – só pra citar três dos bons nomes de nossas letras do tempo em que essa cloaca entre o Oiapoque e o Chuí ainda era país e referenciada através de nomes indígenas como esses dois aí. Enter.
Hoje é Chevrolet Hall, é Credicar Hall, é inglês até em bunda de cachorro e em rabo de gato, e os que ainda não voltaram às árvores – por uma ironia da “evolução”, perderam o rabo... – vão se deliciando com a diluição de nossos valores histórico-idiomáticos perpetrada concomitantemente à introdução cancerígena do Inglês, aliás ingrêis, perante o qual babam como se ele fosse o bilhete de entrada no Paraíso. Mas a “cultura” vai bem, obrigados, porque, acreditem, a deusa da máfia do dendê Maria Betânia desceu do Monte Olimpo Abaeté Resort, onde deve viver entre ninfas atendentes e provavelmente de eunucos solícitos e nervosamente servis, e veio salvar nossa poesia. Em divina e celestial compaixão para com todos nós, e só uma deusa nos daria isso, ela brindará TODOS OS BRASILEIROS que não estão fuçando em lixo pelas ruas nem dormindo sob marquises ou morando em carros abandonados; TODOS OS BRASILEIROS que não vivem sem TV; TODOS OS BRASILEIROS que não fazem da matéria a redenção de suas vidas; TODOS OS BRASILEIROS que não estão nem aí pra futebol; TODOS OS BRASILEIROS que todo dia abrem um livro; portanto: presenteará TODA A POPULAÇÃO BRASILEIRA COM AQUILO QUE MAIS A ANGUSTIA, TANTO QUANTO A NÓS: O FIM DE NOSSA CULTURA E DE NOSSA IDENTIDADE NACIONAL E HISTÓRICA. Né não? Enter.
A partir da notícia desse “resgate divino”, transcrevemos pra nossos leitores uma notícia digna de fazer enrubescer um anão do orçamento ou um mensaleiro: “SÃO PAULO - A cantora Maria Bethânia conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão para criar um blog, que será chamado 'O Mundo Precisa de Poesia'. Segundo a coluna de Mônica Bergamo, da Folha, o site será dedicado inteiramente aos versos e trará diariamente um vídeo da cantora interpretando grandes obras. A direção dos 365 vídeos seria de Andrucha Waddington.”. “Ora, ora! Estamos salvos, a poesia agora vai ser coisa pra todos!”, diria o babão admirador do “homem de Santo Amaro da Purificação”, que é como chamam Bethânia em sua cidade natal. E continuaria o babão: “Maria Bethânia nos dará o prazer de vê-la falando aquelas poesias tão chatas de ler, naqueles livros chatérrimos, chatééééééééééérrimos, aquela falação que a gente não entendia direito. Agora, mesmo que a gente não entenda nada de porcaria, ops!, poesia, a gente pode mooooooooorrer só de ver a deusa no vídeo todos os dias do ano!...” Enter.
Mandaram carta de protesto: “Esta é mais uma vez que a Maria Bethânia capta recursos do governo federal para projetos pessoais. Ano passado, ela, Caetano Veloso e Ivete Sangalo, todos milionários, captaram recursos da lei Rouanet para seus projetos culturais. Poucos artistas conseguem isso, por mais que tentem. Os artistas pobres, então, nem pensar. É claro que os ricos têm mais lobby, poder de barganha, padrinhos e advogados especializados nisso. Um blog por 1,3 mi tem que ser investigado pelo Ministério Público. Fora, artistas gananciosos !!!!!Vocês não têm um pingo de solidariedade (para, N.R.) com os demais. Tenham vergonha na cara !!!!”, o que prova que não só de babões otarizados deslumbrados é feita a fina, magérrima, milimétrica, aliás micrométrica fatia de seres ainda pensantes “nefte paíf”... Enter.
O colunista Marcelo Migliaccio nos brindou com brilhante artigo, no JB, que transcrevemos enxugado. Ele quebra o silêncio sujo dos que lucram com fatos como isso: “Obama vem aí – Mais uma vez, o Rio vai passar por uma cuidadosa maquiagem para que o chefe de estado norte-americano tenha uma boa impressão sobre nosso talento de maquiador (es – N.R.). Sim, porque Obama deve saber pouco mais que um americano médio sobre o Brasil. Sabe, por exemplo, ao contrário da ‘sua gente’, que aqui não tem elefante na rua. E que a capital não é Buenos Aires. Montevidéu, talvez... Tem é muito mendigo, e o presidente dos EUA sabe muito bem disso. Mas Obama não verá centenas, milhares dormindo sob as marquises da zona sul. A prefeitura e a PM empurrarão para bem longe cachaceiros, menores viciados em solvente ou crack, trabalhadores que não têm grana pra voltar para casa, desempregados, famlias expulsas de favelas por traficantes ou milicianos. Serão enxotados a pau pra longe das vistas do ‘homem’. O choque de ordem no Rio já era. Não há mais vagas nos abrigos: a prefeitura desconhecia o número real de excluídos do Rio de Janeiro. Passe por Copacabana pelas 6h: verá todos lá, dormindo ao relento, nas calçadas imundas, ratos e baratas sobre seus corpos. Pararam de recolher os mendigos, e eles se multiplicaram. De dia, a guarda municipal os afugenta da orla, pra proteger turistas. Então, o lumpem se infiltra no bairro, dormindo em velhos sofás manchados de urina na rua – e à espreita de um gringo curioso. Mas o efeito da limpeza acaba na segunda-feira, quando Obama volta para o Olimpo, e, nós, à nossa realidade cotidiana”. Enter final.
Mas agora “estamos salvos”: Maria Bethânia nos devolverá “a poesia perdida” ou, melhor, fará dela “uma coisa viável, porque personificará uma porcaria, ops!, poesia que estava fechada em livros cheirando a mofo e que matam de canseira se tivermos que ler”. A verdade é outra: a única mudança concreta nisso é que ficamos muito mais otários, e Bethânia, certamente, mais milionária um pouco. Só fico pensando na tortura que seria ver diariamente, por um ano, Bethânia declamando poesia... coisa que combina com ela como combinam o Cristo e Judas. Oh, Deus!, isso é sintoma de chegada de tsunami?? E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Um comentário:
R$ 1,3 mi, dividido por 365... Cerca de R$ 3560. Vídeos caros, hein?
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