Frederico Mendonça de Oliveira
“Seria só no Brasil, ó Maria? A situação que enfrentamos parece ter similares somente nos Haitis da vida, na África mais atrasada e carente, nos confins do mundo onde parece que a turma vive no purgatório de que nos falavam naquelas aulas de catecismo!”, comenta Manoel com os olhos úmidos depois de considerar as horrendas imagens do Rio e da região serrana, fotos do caos instalado, onde o horror parece que chegou para ficar. “Ano passado, ó Maria, aquele deslizamento em Angra sugeria que o bicho estava indo em direção aos ricos, mas os pobres são a maioria vitimada nesta nova edição da insistente tragédia que parece querer ser o carnaval às avessas!”, considera meio indignado nosso herói, reiterando seu horror para com o panorama da vida carioca e brasileira. “A cobertura da imprensa já largou o tom de sensação, já trata a coisa como se ‘tudo já estivesse se ajeitando’ para mudarem de assunto deixando o miserê pra lá e voltarem para seus veios amenos de arrecadação: futebol, carnaval, BBB, famosos internacionais, tititis e cocôs escandalosos envolvendo figurões. O que se pode esperar disso? Só a fúria dos elementos mesmo!...”, conclui Manoel entre consternado e um tanto irado. Maria toca a casa, e a desgraceira não a tenta ao silêncio. Parada e com a curvilínea e generosa anca encostada na pia em que lidava, preparando o almoço que combina religiosidade com delícia, ela crava os lindos olhos em Manoel. Parece que hesita em falar, como quem considera se deve abrir o lindo bico, preocupada com sempre melhorar a vida com boas palavras e com preservar o silêncio. Enter.
Mas urge tomar posição nisso, porque não só para ela, mas para todos, parece que o horror se avoluma e se mostra crescentemente ameaçador. Considerando as avaliações “político-científico-históricas” emitidas pelas primeiras páginas dos jornalões – que é o que o casal suporta enfrentar, claro: não perderiam seu precioso tempo nem cansariam suas doutas cucas enveredando por publicações escritas por estúpidos no geral e dirigidas por pilantras cínicos no essencial –, nossa heroína acaba que opta pelo posicionamento. E dispara, suave mas incisiva: “Ó Manoel, eu não posso mais ter esperanças em que Deus vá dar um jeito nisso. Basta olhar para os aglomerados de gente nas encostas, nos morros, basta constatar uma superpopulação desordenada e em crescimento assimétrico e desmedido, isso nos dá como que uma sentença: não tem mais remédio tamanha desarmonia social em todos os sentidos. O fator quantidade, esmagador, brecou qualquer esperança de qualidade regeneradora para esse crescente e aterrador caos humano e social. O que sanearia o somatório de favelas no Rio e em São Paulo, por exemplo? Qual é a proporção entre favelados e não favelados a essa altura do campeonato? Qual a possibilidade de regeneração social do cancro incrustado no urbano que são as favelas e seus desdobramentos em todos os sentidos? E, pior que isso: como administrar toda a gama de desvios dessa distorção que é a miséria instalada em tamanha dimensão e profundidade no corpo vivo das cidades? Isso é ‘normal’ ou trata-se de uma situação de patologia social galopante?”, pergunta Maria com olhos lindamente alarmados, aparentando peso no coração, condoimento diante de tão adverso quadro humano. Enter.
E acaba que o bicho pega, a linda Maria não se reprime: “Ó Manoel, solução viável em termos sociais e humanos para isso não existe, o quadro é de todo irreversível. É como um imenso móvel quase todo carcomido por cupins: não há como erradicá-los – e não se erradicam favelas!! – sem que o móvel sofra dano irreparável em sua estrutura. Isto porque na verdade essas coisas estão cosmicamente associadas, não é por acaso que as favelas tais envolveram urbes tais. E não é nada de descaso de autoridades nem baboseiras outras: isso é o karma coletivo dos brasileiros, como é a desgraça na América Latina e na África, e o momento do pega final se aproxima ameaçador, e lamentavelmente é assim mesmo. Ninguém está livre disso! Lamentamos pela sorte dos que caíram sob as avalanches de lama e pelo furor das águas, mas sabemos que devemos botar as barbas de molho! Já que ninguém sabe o que fez nas vidas passadas, porque somos ‘esquecidos’ de nossos atos pelos senhores do karma para que entremos nesta vida inocentes, ninguém terá qualquer certeza do que lhe possa suceder nesta vida até o último suspiro. Então, ó Manoel, é necessário sabermos, através dessa visão da lei divina e de nossa impotência, que ISSO é a verdadeira humildade!, e só assim nos harmonizaremos com as leis imutáveis!”, conclui Maria, os olhos úmidos de amor e compreensão, o coração pulsando pelos irmãos que sofrem o horror atual. Enter.
“Pois veja, ó Maria: um certo verdureiro espírita do arraial, tido como ‘sacerdote’ no centro em que trabalha, um belo dia veio falar da ‘humildade de Jesus’. O fundamento para a humildade do Cristo para esses seres é a história do oferecimento da outra face. Equivocados! Presunçosos! Será que eles acham que o Cristo gostava de apanhar? Será que não percebem a superioridade e o desafio que seria provocar o agressor com forçá-lo a prosseguir agredindo, fazendo-o cair em ridículo? Diga-me, ó linda, em que momento o Cristo se mostrou humilde nos Evangelhos, senão quando revelava o vínculo cósmico?! E como se explicaria, aos olhos desses equivocados, a investida violenta contra os vendilhões do templo? Momento de loucura?? A verdadeira humildade está na demonstração da lei de ação e reação: ‘Quem com ferro fere com ferro será ferido’, e nas Bem Aventuranças, em que também Ele traça um painel de equilíbrio cósmico, da Lei Universal da Perfeição, que é Deus. E, claro, isso não significa cruzarmos os braços: a solidariedade por nossos irmãos atingidos é fundamental, é aperfeiçoamento, porque devemos LUTAR CONTRA O KARMA, vide o mito de Laocoonte, o profeta de Tróia. As catilinárias lançadas sobre as autoridades responsáveis por isso não passam de desabafos, e até procedem. Mas NADA PODE ALTERAR O QUE ESTÁ ESCRITO, isso é inegociável. Podemos tentar acelerar a evolução, sim, mas isso implica em dedicação suprema, o que é muito difícil ou impossível de fazermos nesse contexto!”, considera Manoel, voz meio surda, engasgada, para sua Maria. Enter final.
“É irreversível, Manoel, está feito! Para estudiosos isto seria resultado a longo prazo da ação da TV Globo e congêneres, intervenção por dentro dos lares, assim teria sido feito tudo. Como respostas sociopolíticas para explicar o inexplicável, é prato feito. Mas a realidade essencial, imaterial, que preside os inferiores 'fatos objetivos', vem do cosmo. Rumamos para a grande desmaterialização, e virá a purificação, a volta à essência de tudo, e isso é só com Deus”, fecha Maria a questão, olhos líquidos e brilhantes, vibrando puro amor. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar: estamos sob censura desde 11/04/08, aliás mantida por Gilmar Mendes, e a restrição vai totalizando 990 dias. Abraço pra turma do Estadão, há 539 dias também sob mordaça...
Um comentário:
Grande Fredera! Texto sensacional! "e o momento do pega final se aproxima ameaçador" - é, a coisa tá ficando feia!
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