Frederico Mendonça de Oliveira
Amedrontado com a movimentação que antecedeu nas ruas a estréia da seleção brasileira na Copa 2010, Manoel volta pra casa como que aturdido, abestalhado, contristado. De seu refúgio ouvem-se os ruídos de antegozo pela estréia da seleção globalizada, provindos do centro e mesmo do próprio bairro, hoje transformado em periferia de classe média e que chafurda em obtusão perversa por intervenção de poderes maléficos, promovendo a estupidez e o sadismo e deformando mentes de crianças como que por esporte persecutório. “Estarão todos completamente desatinados, ó Maria?? Foi para isso que trabalharam gerações e gerações de pensadores e lutadores, durante séculos sonhando o êxito da Civilização??”, e Maria, embananada com seus estudos universitários e de gato deitado por sobre papéis espalhados na mesa, tacitamente responde em afirmação, o semblante alvo e aveludado carregado de compreensão sobre a degenerescência desencadeada nas ruas, nas casas, nos bares, tudo tresandando a caos, tudo feissimamente descerrando a face de Baphomet e a índole putrefaciente de Belzebu. “Serão energúmenos assumidos, daqueles que beijam as mãos deformadas de seus algozes? Serão bestas asselvajadas e mugentes, que agora identificam suas vozes com as das cornetas de repente batizadas de vuvuzelas? Serão oligóides felizes com a manifestação de suas deficiências, que neste momento são absolutamente bem vindas para consolidar o primitivismo atroz que vai assolando o Brasil e o mundo em benefício dos objetivos do Império??”, questiona-se Manoel ouvindo a manifestação bestial da torcida brasileira percorrendo as ruas do arraial no afã de alcançar um estado adrenalínico e gerador de um transe que, para esses seres, é indicativo de felicidade. “Que fazer, Deus??? Eles são muitos!!!”. Enter.
Acabrunhado, nosso herói hesita entre fazer como sua Maria, que se desliga totalmente da azáfama dos possuídos e mergulha em suas tarefas, ou se retar e aturar assistir a essa patacoada para realmente poder dimensionar racionalmente a miséria estabelecida. Pois ele opta pela segunda idéia, num rasgo de fibra lusitana: “Pois vou ver o que tanto endeusam esses desordeiros de merda: quero ver a cara dessa tão desconhecida seleção, quero ver se merecem algum apreço, alguma admiração. Que sejam endeusados por imbecilidade coletivizada, isto são outros quinhentos. Quero ter munição para expor meu posicionamento diante dos que dele necessitam!”, decide nosso herói, mesmo que sabendo que se impõe uma contrafação. Para tanto, resolve assistir ao primeiro tempo do jogo na velha TV há muito esquecida no quarto de hóspedes, mas toma o cuidado de não abrir o som, para ter opinião própria sobre os elementos reais do enfrentamento. E para não ouvir a voz e as falas do Galvão, que ninguém é obrigado a se martirizar. E nosso herói desliza furtivamente para o quarto de hóspedes enquanto Maria prossegue mergulhada em silêncio imponente sobre os compêndios, tendo a presença do bichano sobre apostilas como fator emoliente e decorativo. Enter.
E lá está a pinóia rolando. Aquilo de sempre, aqueles seres correndo atrás da bola, um já abobalhado espetáculo, porque confinado dentro de interesses completamente outros que não o esporte em si. E lá está Manoel observando o correcorre multimilionário, sacando atentamente os conteúdos, e a seleção brasileira de mercenários vai mostrando as carantonhas de seus componentes, enquanto closes das faces norte-coreanas revelam outra cultura, outra humanidade, outros valores. Mas aí ocorre uma surpresa: nosso herói constata que a Coréia do Norte apresenta um esquema defensivo coeso e impenetrável, e que os “atretas” tupiniquins correm pelo campo como baratas tontas, sem objetivo ofensivo e sem esquema racional de penetração. “A cara do Dunga...”, pensa consigo Manoel. E o primeiro tempo se escoa num futebol chué, em que os aguerridos coreanos defendem com garbo e elegância a meta de seu país amado, e os “brasileiros” se arrastam em campo sem objetivo, perdidos, dispersos, sem qualquer coesão. Nada de gols. A alegria vai tomando conta de Manoel, que aproveita o intervalo do jogo ainda zerado e va à copa onde sua Maria permanece encornada nos estudos, prepara um café cheiroso, toma um copinho dele e interrompe sua amada com uma alegre consideração sobre a partida: “Putz, os coreanos correm como o diabo!, são muito engraçados nos gestos e parecem muito educados!”. Maria ouve e escuta, levantando o mitológico semblante, pesado da concentração interrompida, mas abrindo um doce sorriso, não se sabe se por se divertir com ver Manoel se divertindo, se porque também no fundo nutre um desejo ardente de ver essa seleção de mercenários mandada de volta para seus países de origem – porque parece que só um volta pro Brasil... e Manoel escapole para o ateliê lá embaixo, para aviar uns materiais em que se empenha para a construção de um objeto-escultura em pau-brasil. Logo verifica o recomeço da partida e sobe para ver a sequência, mas o gol dos “brasileiros” o contraria profundamente, e ele percebe que as jogadas individuais começam a puxar uma coesão do ataque verde-e-amarelo, e então tudo passa a não interessar mais. Enter.
E deu no que deu. Mas vale relatar que nosso herói, lá pras tantas, faltando pouco para terminar a partida, religou a máquina de bestificar e deu de cara, depois de estar bem acomodado constatando triste o avanço “brasileiro”, assistiu ao lindo gol dos coreanos, e Maria acorreu esbaforida e assustadamente sorridente com ver a festa de Manoel pelo gol inesperado E eis o casal unido em alegria vendo que o pobre do Júlio César, tido como o melhor goleiro da Copa, foi vazado logo na primeira partida, e logo por um reles coreinha, e vendo que a carantonha de desapontamento do caricato Dunga ocupou a tela em oposição ao semblante inteligente, sereno e alegre do técnico da seleção da Coréia nacionalista – não a da Coréia do Sul, reduto descarado do Império, covil de lacaios dos Conquistadores do Mundo, país títere que tenta envolver sua irmã do norte no episódio de afundamento daquela corveta duvidosa, que Fidel denunciou como isca suja para detonar um conflito que pode levantar uma bela grana pra turma que vive de vender armas. Enter final.
“Uma derrotinha com sabor de grande vitória, ó Maria! Esse doisaum é apenas um tênue começo de uma derrocada iminente, haja fé nisso! Quem diria que a Coréia do Norte, que tem como esporte verdadeiro não aceitar a pressão do Império e que figura lado a lado com os países que sabem o que querem, ainda teria tempo hábil para preparar uma seleção séria e competitiva! Uma seleção até humilde na postura, sem qualquer pompa ou empáfia, e que logo de cara já desafinou o coro dos energúmenos boçais que gritam por uma vitória de uma seleção de mercenários como a do
Brasil, convenhamos!, é uma beleza!”. E Manoel e Maria voltam para suas tarefas, agora com o alento de uma graça, a de ver que a máscara da estupidez afixada nas fuças das legiões de seres burrificados ameaça cair, e feio! E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Ah! Vale lembrar que estamos sob censura desde 11/04/08, a restrição já vai totalizando 781 dias. Abraço pra turma do Estadão, que também atura isso há 322 dias...
Um comentário:
Nossa, que texto chato e cansativo! Haja paciência.
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