Frederico Mendonça de Oliveira
De repente o amigo músico de Manoel presenteou seu faixa lusitano com dois livros de um poeta de Aiuruoca, linda cidade do Sul de Minas já no limite da Zona da Mata. Dessa área saiu também o poeta magnífico Dantas Mota, ídolo deste novo e já muito amadurecido vate aiuruoquense. Trata-se de Gilberto Nable, aliás médico, aliás pessoa de profunda sensibilidade e inteligência. Pois foi Manoel abrir o primeiro dos dois livros e arregalar os olhos: “O que é isto???”, perguntou-se logo nosso herói ao deparar com o estro do bardo para ele um estreante. Ele dava de cara com o livro O Mago sem Pombos. Manoel abrira no terceiro poema, e a paulada cantou logo em sua fecunda cuca: “Desconsolado feito mago sem pombos/ a quem ninguém deu uma lição de calma/ procuro, ainda entre livros, alma e alento”. Em estrofe adiante Manoel leva outra lambada: “Mas outros rumos não pretendi de mim,/ avesso, seco, muitas vezes cansado,/ aparentado a becos, auroras, botequins”. Estes belíssimos versos, que fizeram Manoel parar considerando admirado sonoridade e teor, estão também na contracapa do livro, uma bela edição da 7Letras, editora carioca. Enter.
“O que foi feito da poesia não só no Brasil, mas mesmo em Portugal?”, considera Manoel ainda sob o impacto da poesia de O Mago sem Pombos. Politizado na marra, tendo lido até comunistas como
Trotsky e Lênin (Marx ele deixou pra lá, passou apenas os olhos no Manifesto, e aquilo não fechou com nada para ele), informado também pela experiência da vida, mas desde há 20 anos conhecedor da VERDADE através de obras ocultas a que poucos têm acesso em meio à azáfama destes tempos estúpidos, Manoel encontrou nas páginas do Mago uma revivificação de suas emoções da juventude no que topava com as obras de poetas brasileiros que produziam direto e difundiam encantamento, principalmente Cabral e Drummond. “Valia a pena morar no Brasil vendo aquele movimento editorial nos anos sessenta!”, dizia Manoel ao amigo músico em recente conversa, pois o amigo, mesmo músico, é da literatura, especialmente da poesia, e das artes plásticas, terreno em que produziu curiosas descobertas, como a pintura com cimento. “Pois agora tu me bateste no coração com a obra impressionante desse admirável Gilberto Nable!”, comenta com júbilo nosso herói ante a cara feliz do amigo. Enter.
E é sobre o amigo que Manoel pensa ao ler a primeira quadra do poema V do Mago: “Pouco importa o que digam.../ Mas como foste traído!/Com manha, ciúme e intriga/ Foram urdindo teu exílio.” Manoel até pensa consigo que esses versos são mesmo dirigidos, embora considere que “manha, ciúme e exílio”, no caso, seja pouco: valeria nisso um “ódio mortal doentio”, mas isso fica de fora destas luminosas linhas. E o poema avança: “Como se não os abrigasses,/ não um só, mas vários exílios,/ e desconhecesses a inveja/ e as mãos secas da usura”. E Manoel exulta, e um “Puta que pariu!” lhe escapa entre língua, dentes e lábios oclusivos surdos ao prosseguir na leitura do poema: “Mas ouso rir de vós, filisteus,/ratos-de-barrigas-brancas,/ tomando café com leite, de cuecas,/ contando cédulas, títulos e moedas”. E sob o impacto dos significados e da disposição musical de palavras, Manoel detecta a curiosa presença de rimas toantes: rimam as palavras ingênuos, cordeiro e dinheiro, rimam com filisteus, depois rimam cuecas com moedas, e lá vai Manoel viajando feliz nesse achado de nome Gilberto Nable. “Que felicidade poder expressar-se tão profunda e claramente!”, reflete nosso sensível ibero, e avança no desfecho lapidar do poema, que mija nos classemédias de merda: “É irrisório, sim, vosso patrimônio/ Vosso juntar de pedras feito lagostins/ Vossas cadelinhas, academias e soníferos/ Vossa piscina térmica com cascatas!”. Rolando os olhos a sua volta, Manoel considera a estupidez assumida da vizinhança porca e doentia que persegue por pura inveja – e por aflorar o ódio por se saberem medíocres e obtusos – o amigo músico, homem com a alegria simples dos eleitos da Musa, diletos de Santa Cecília, protegidos de Euterpe, sempre sob as graças de Eufrosina, Aglaê e Talia... e como poderiam ratazanas vestidas e cínicas enxergar tais valores? Vendo a plumagem do amigo, esses mulos zurram de despeito, sonham matar sua cor azul brilhante, babam de ódio vendo os olhos de Argos estampados na cauda aberta em leque quando o amigo simplesmente estuda sua guitarra e causa admiração em quem não se emporcalha nessa podridão! Enter final.
E fechemos: “Tem seu lado vegetal a morte./ No tecer de podres raízes,/ no modo como se conduz,/ ou como somos plantados” . E Manoel se deslumbra: “Chega por agora, meu novo amigo Gilberto Nable! Minha turma lá na Ibéria saberá de ti!”. E viva Santo Expedito! Oremos. Bye!...
ATENÇÃO: JÁ ESTAMOS CENSURADOS HÁ 581 DIAS. A CENSURA A O ESTADO DE SÃO PAULO, QUE SOMA 107 DIAS, JÁ ESTÁ CONDENADA ATÉ EM ÂMBITO MUNDIAL. QUANTO A NÓS...
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