Frederico Mendonça de Oliveira
“Bem, a situação no Brasil cheira, no mínimo, a carniça”, pensa Manoel, considerando a possibilidade de, depois de duas gestões dessa patacoada de petezada no poder, com esse boneco abstrato como presidente da República, ascender ao poder um tipo de vampiro meleca e desprezível como esse José Serra. Significaria apenas ver diariamente aquela figura patibular e desprezível mamando a presidência dessa aldeia desvairada em que o Brasil foi transformado através da ação maligna e impiedosa dos globalizadores e com a participação direta de milhares de burocratas abjetos, traidores imundos da pátria que os pariu, e com o apoio da maioria da legião de milhões de desgraçados zumbis que vagam a esmo e sem rumo pela superfície desta geografia malignizada e apodrecida ainda chamada de Brasil. “Fazer o quê, se o País foi transformado nisso, e a macacada brasilis ainda ajuda na destruição??”, e mesmo assim o coração lusitano de nosso herói ainda se contrai por ter de tomar um rumo novo para Manoel não ser tragado pela degenerescência galopante que assola a Pindorama. Enter.
Uma ida a Belo Horizonte para alinhavar coisas, e eis nosso irmão aturando rodoviária, ônibus, táxi, toda a merda pesada que envolve qualquer deslocamento nessas Minas que um dia dizem que fora de Deus. Na ida, uma carona com o amigo do morador perseguido porque questionou a obra ilegal. Tudo bem, três seres maduros dentro de um carro confortável, uma viagem até muito agradável. Conversas relevantes, um som de jazz muito instrutivo, NY Voices e outras mumunhas, inclusive Os Gatos, aquela maravilha de gravação do Eumir Deodato junto com o Durval Ferreira, temas como Pacific Sunset, A Chuva, Estamos Aí, a obra prima Dois Peixinhos, de Durval e Lula Freire. Parecia outro mundo, não esse Brasil fecal de axés, pagode e breganejos, essa pornografia sonora que nos assola por todos os lados. Enter.
Foi pôr os pés em BH e começar o massacre. Tudo caro, um movimento caótico de fim de mundo, para não dizer inferno. Um ir e vir frenético, uma gentuça em multidão zanzando pela rua, um tráfego de veículos de volume assustador, tudo isso levando Manoel a se perguntar se tamanha movimentação tem mesmo significado e objetivo. Porque, pelo que nosso herói considerou, pelo menos 90% daquilo ou é induzido por forças degeneradoras ou decorre de sair “pra fazer não sei o quê”, como diz a música “Ê Paciência, ê Tentação”, de um maluquete chamado Fredera, mas que revela cabalmente isso: “Marias vão co’as outras pra fazer não sei o quê/ cascata e carochinhas nas novelas de TV”, e, olhando a chapante quantidade de espigões por todos os lado, Manoel lembra do último verso da canção: “Estranhos edifícios nos terrenos onde eu brinquei/ rasgaram a história que eu ainda não contei”. É... Pois pra onde Manoel se virava, lá estava uma TV dos infernos: na lanchonete, no restaurante, na sala de espera do consultório, em ônibus, no metrô, em lugares em que as pessoas não ficam mais que dez minutos – “Mas é bom não vacilar: porque uma pessoa pode acordar para a vida numa dessas, então é bom não permitir que elas tenham essa possibilidade”, dizem entre si os globalizadores. E ele se lembrou daquela piada: um presidente de empresa estava de viagem pela Europa com a mulher, e o vice-presidente, daqui do Brasil, ligou pra ele informando a morte da sogra. E perguntou: ‘O que fazemos? Enterramos ou cremamos?’, ao que o presidente respondeu de pronto: ‘As duas coisas! Não devemos facilitar!!’”. Pois é: é inacreditável, mas só falta colocar telões pelas ruas para cortar definitivamente a possibilidade de alguém olhar para dentro de si e pensar por cinco segundos que seja! Enter.
A cultura do ruído e da bugiganga. As pessoas estão vivendo sob ruído e para as bugigangas, sejam elas TV, DVD, celular com mil funções, MP4, câmera digital, carro, relógios malucos, skate, carro, moto, bike, casa, revistinhas, pornografia em vídeo, tênis, boné, tatuagem, tudo virou um verdadeiro fuzuê. Já tudo resolvido em BH, Manoel vai pra rodoviária pegar ônibus, porque a turma da carona quando da ida ia ficar mais tempo na capital mineira. E lá está Manoel na rodoviária e tome TV, bugigangas, bagulhos pra todo lado, tudo igual a tudo em todos os lugares. No arraialito e em BH é tudo igual, só mudando a quantidade de movimento besta. E Manoel se lembrou de seu tempo de menino, quando fez a primeira viagem. A rodoviària só tinha ônibus e pessoas, tinha até um cheiro diferente, “a gente já estava entrando em outra dimensão, já não estávamos mais no espaço de antes: lindos ônibus, pessoas se despedindo, aquela coisa diferente já acontecendo”. Naquele tempo não havia TV... Enter final.
Acaba que Manoel pensa na maior loucura possível: voltar pra Portugal e ver justamente isso acontecendo por lá também... e não seria novidade, pois sua sogra, uma descendente de portugueses radicais também, esteve recentemente na Europa e chegou com cara mais desanimada que aquela que tinha ao sair de viagem. Manoel perguntou sobre a Europa, se ela gostara, e ela respondeu com serena cara de descaso: “É, é outra coisa a arquitetura, a gente vê que aquilo FOI outra coisa. Mas a maior parte do tempo que vivi lá, quase um mês, perdi em engarrafamentos”. É mole? Pois Manoel pediu a ela que, passando por Portugal, comprasse um livro de obras completas de Fernando Pessoa, que ele emprestara a amigos no Brasil e o livro se perdera. E a nobre mulher voltou com um livro muito bonito de cartas do grande poeta, e foi o único – O ÚNICO! – que ela viu em todas as livrarias por onde passou em solo lusitano. E Manoel considerou pela segunda vez o dilema filosófico de Dummond: “Quer voltar pra Minas/ Minas não há mais”. Haverá ainda Lisboa? E viva Santo Expedito! Oremos. Bye, babes!
Um comentário:
Beleza de crônica, Fredera. Digna de um Drummond e dos tempos da imprensa bem escrita (que não voltam mais).
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